êuaC atsoC ad ataM

Posso dizer que tive um amigo. Desses inesquecíveis. Aprendemos a ler juntos e, desde então, me hospedava em sua casa, conhecendo e me aproximando também da família. A irmã mais velha gostava de me ouvir assobiar “Patience”, dos Guns and Roses - eu contava oito anos, me enchia de vergonha, mas obedecia sob pressão... Havia um pastor alemão, robusto e bem nutrido. Recordo perfeitamente dele correndo atrás de mim (certamente para brincar) e eu apavorado, arrodeando o centro da sala, fugindo desesperadamente e divertindo a casa... Bons medos... Família numerosa, que sempre me acolheu com impressionante filial e fraternal respeito. A escada para os quartos me deixava ofegante.

Praticamos esporte juntos durante o colegial e seu pai nos deu aulas particulares de matemática, para o vestibular... A inteligência vinha de família. Nem a faculdade nos distanciou. Quando tudo estava monótono, éramos presenteados com a agradável surpresa da sua visita, contando suas aventuras e divertindo a casa... Contava uma história como ninguém. Ele mesmo era o protagonista dos seus enredos sempre bem humorados e otimistas, com uma particular pitada de criatividade. Peço que me empreste um pouco do seu talento, para nunca me faltar boas ideias e boas narrativas. Para que consiga fazer os outros sorrir também...

Enquanto militei na igreja católica, ele militou na política estudantil. Mantivemos uma certa reserva neste período, mas nunca nos afastamos. Percebi que a nossa dedicação era grande e semelhante, ideológica. Amigos: o que mais tinha. Impossível contabilizar. Acho que foi a coisa que mais valorizou na vida - nutria uma fidelidade admirável... Aprendeu logo cedo o que vale a pena. Seu coração era grande, ardente e sensível, e conservara uma pureza da infância, que não sei explicar. Era intenso. Beijava o irmão mais novo enlouquecidamente. E como explicou seu pai: “foi para uma viagem que não estava combinada”.

Ainda criança, já nos conhecíamos bastante, mas não o bastante. Faltava, como se diz por aí, conhecermo-nos “de trás pra frente”. Assim, brincávamos de soletrar nossos nomes completos no sentido inverso, para mais nunca esquecer. Pensava, com orgulho, que ninguém o conhecia como eu. Cauê era popular, “êuaC”, particular. Funcionava como um segredo entre nós. Uma senha de amizade. Um cadeado neste eterno coração de estudante... Só me amedrontava quando pronunciávamos o meu Dantas. Remetia a “satanás”! Suspeitava intimamente de que eu pudesse ser uma encomenda do diabo, principalmente porque não rezava antes de dormir...

Bigode Grosso

A cultura popular é uma coisa maravilhosa. Um fenômeno espontâneo, que brota não sei de onde, não sei de quem, emergindo valores e costumes de uma comunidade, e que, por causa desta identificação genuína, se irradia rapidamente. De certo modo, é uma manifestação que representa o povo ou parcela dele. Mas alguns amigos têm me ajudado a analisar as coisas com uma cabeça mais independente dos credos e das ideologias. Assim, nem tudo o que é popular deva ser necessariamente bom... Tenho evitado generalizações.

Gosto da liberdade e até mesmo da extravagância. Sinto-me intimamente seduzido por padrões que fogem ao que convencionamos por "politicamente correto" (se é que isso existe). Refiro-me a um modo de vida mais verdadeiro e menos neurótico, que não teme revelar aquela outra parte que a gente esconde, o nosso lado meio vagabundo. Por isso, consumo Gilberto Gil e Psirico, sem grandes conflitos. Tenho medo dos falsos moralismos, mais ainda dos moralistas.

O funk (não somente ele) descreve sem arrodeios os valores mais caros da nossa sociedade: o dinheiro, o sexo e o poder. Ideais perseguidos não apenas pela periferia, mas principalmente pelos mais abastardos, e também por eu e você. Ratifico Silvio Santos: quem não quer dinheiro? E digo mais: quem não gosta de sexo? Quem não quer ser autoridade ou referência naquilo que faz? (isto lhe confere poder). Neste sentido, o funk é fiel.

Mas minha crítica extrapola o funk e minha preocupação se dirige a esta filosofia reinante. A esta pirâmide invertida, que coloca o importante como "o mais importante" (isso faz toda a diferença), e que trata o essencial como suplemento... Quer ser careta? Fale de amor. Amor comprometido e responsável, que sofre e sofre com orgulho. Fale também em desfrutar da companhia das pessoas - de graça -, mais do que dos lugares e das rotas turísticas... Fale em ser uma pessoa boa, mais do que importante...

Lamento a receita da felicidade, cujos ingredientes são carros de luxo, piscina com mulheres para orgia, dinheiro caindo como folhas das árvores, ouro e drogas para potencializar a performance... Não imagino o que esperar de uma nação que cresce e se desenvolve nutrida por valores como estes... O pobre quer ser simplesmente rico, sem qualquer melhora, sem qualquer aprendizado, sem qualquer legalidade. O rico... Também.

Eu até que respeito o moço. Mas discordo de quase tudo o que ele diz...

O tratamento dos pronomes

Me disseram ser de Nietzsche a frase "a verdade é insuportável ao homem". Autoria à parte, só posso concordar com a ideia. E atesto no dia a dia. A mentira é requisito necessário da boa convivência e escada para o sucesso, seja familiar, profissional, entre amigos ou qualquer outro. Sou convicto de que o processo civilizatório é assentado sobre essa etiqueta.

Imagine uma mãe. A sua mãe (ou você mesmo). Chegando do trabalho, exausta, irritada porque exausta, TPM, irritada porque TPM, dores pelo corpo, irritada porque dores pelo corpo, suportando viver... O filho pequeno se trepa nela, em êxtase, ocasionando-lhe uma odiosa sobrecarga, pisa no seu pé e fica puxando a camisa nova insistentemente, queixando-se de qualquer coisa... Ela deseja naquele momento não ter filho; que ele não existisse por pelo menos 2 horas de descanso... Mas a melhor mãe do mundo o abraça com carinho. E o filho terá um desenvolvimento saudável.

Uma amiga desabafa sobre o ex-namorado com todo o entusiasmo, em plena madrugada, já faz duas horas. Ela chora. Você não aguenta mais aquelas repetições. Você não aguenta mais aquelas repetições! A confidente permanece interagindo, demonstrando interesse. E serão amigas para sempre.

O seu patrão fede às vezes e trabalha ao seu lado. Ele tem mau hálito e não sabe contar piadas. Você está sempre bem humorada. Você ri e levanta a bola dele. Você conquistou promoção por merecimento.

Acho que os pronomes de tratamento fazem um excelente trabalho, tão necessário à ordem quanto o Código Penal. A impessoalidade facilita as boas relações e constrói uma harmonia necessária, mas nem sempre (ou quase nunca) genuína.

Será que a Vossa Excelência é uma pessoa excelente mesmo? O Excelentíssimo Governador é um exemplo de cidadão mais do que excelente, como se sugere? Ou isto só seria compreendido como uma profunda ironia?

Aquele reitor é tão magnífico quanto se ouve? O Meritíssimo Juiz se faz digno de tanto mérito? O Reverendíssimo abade merece tanta reverência assim? O Papa é de fato uma Santidade em pessoa? Dois anos de estudo e pesquisa em pós-graduação é capaz de formar um Mestre da ciência? Na verdade, rara são as vezes em que utilizamos um pronome de tratamento de peito aberto, com o coração ardendo dentro, cheio de orgulho... Venerar a babá, nem pensar!

Quando o cliente fala "doutor" (porque sou advogado), sempre me desconcentro por um segundo. Penso que não é comigo. É tão estranho quanto a gravata... Ainda prefiro o "Léo-léozo" de antigamente...

A religião: a minha e a sua.

Depois de pensar durante anos e ter experimentado algumas realidades no passado, tenho atualmente admitido que religião não pode ser tratada como política partidária, time de futebol ou concorrência de mercado. Quero dizer que rivalidade não combina com espiritualidade... Este não deveria ser um espaço para paixões e fobias, mas para experiências serenas e elevadas, acima das picuinhas típicas da nossa realidade sensível. Religião não era para ser defendida, porque não deveria ser atacada.

Tenho dito que o problema da religião é a verdade. Por outro lado, sem verdade não há religião... Será que a verdade de tudo o que há - além do perceptível e do imaginado - consegue ser decodificada com toda a amplitude e mistério em forma de linguagem, escrita, sistematizada e racional? Muitas perdas nessa manufatura, muitos mistérios permanecerão mistério... Quando se estabelece uma verdade, ao mesmo tempo elegemos infinitas mentiras, ou seja, todo o resto! A partir daí, essa confusão e disputas, que torna a religião tão medíocre quanto repugnante...

Não quero relativizar tudo e acreditar em nada. A verdade sempre estará aí, nos convencendo das coisas. Acho que a verdade deveria ser mais sagrada do que a própria religião, e o mistério de uma poderia conter a arrogância da outra... Mas não há humildade na religião. Esta, por função, assume o pretensioso papel de dar respostas certas a enigmas ainda mais certos. E o religioso, por sua vez, acaba por revestir-se desse mesmo espírito...

Meu pai me disse que religião serve para tornar o homem melhor. De lá pra cá, tenho acreditado nisso (é uma questão de fé). Portanto, se a sua religiosidade lhe faz bem, se te ajuda a ser uma pessoa melhor - para si e para o mundo - você encontrou a religião certa, pode acreditar! Viver é uma oportunidade, e das melhores. Faça o melhor da vida, o melhor possível...

Axé! (pra quem é de axé).
Amém! (pra quem é de amém).

Mulher-testosterona

Seria incapaz de fazer sexo com uma mulher mais forte do que eu. Me sentiria numa situação desconfortável e a brochada é certa... Mesmo sendo meio fracote, gosto de perceber a minha força, por mais que não a utilize de fato. O envolvimento com uma mulher dessas me sugere subliminarmente uma inversão de papéis, que não casa com qualquer das minhas fantasias mais esdrúxulas...

A vida exige sempre mais da gente, não é mesmo? Delas, mais ainda. Não basta ter pernas trabalhadas, barriga saudável e peitos médios e bonitos... Tudo isso já reclama da sujeita muito tempo, muita energia e até sofrimento (tem gente que chora levantando uma maromba). O padrão de medidas cresceu tanto, que se tornou biologicamente impossível para a fêmea. Ao invés de criar consciência e recuar, encontraram uma brilhante saída, socorrendo-se do hormônio dos homens - testosterona na veia! -, aproximando-as muito mais do He-Man do que da She-Ra...

Os riscos para a saúde não me parece o melhor argumento para conter esta esquizofrenia narcisista coletiva. O valor maior é o estético, e o diálogo deve ocorrer também neste terreno. "Acho feio" convence muito mais do que "irritação", "agressividade", "colesterol", "trombose", "câncer", "morte"... Uma loucura!

Não quero me travestir de Arnaldo Jabor, mas prefiro a mulher-estrógeno, com toda a docilidade que em mim carece, com a aparente fragilidade que me conquista... Na minha conversa mais íntima, a fala grossa sou eu!

Pedagogia barata

Têm certas coisas que não dá pra entender... E você também não vai entender. Sabemos, já faz um tempo, que há uma preocupação para a consciência e o respeito à classificação indicativa dos filmes, programas de TV, páginas da internet, etc., relativo à faixa etária. O que é de adulto não é de criança, porque o copo da sua estrutura psíquica e emocional ainda não está pronto para receber o vinho do sexo nem o uísque da violência. Por enquanto é tempo de sucos e refrigerantes, no máximo um cafezinho morno numa xícara cuidadosamente adocicada...

Essa campanha é sobretudo dos educadores, dirigida aos pais. Surpreendente foi assistir ao movimento inverso, que no mínimo é confuso e sem sentido: os pais tentando conscientizar a escola sobre a importância dos conteúdos apropriados para a idade dos seus alunos... É difícil de acreditar, mas eu não estou fantasiando, nem criando, nem aumentando. E as coisas caminharam da pior forma possível.

A instituição educacional, com toda a louvável criatividade e espírito de iniciativa, promoveu uma atividade diferente, organizando a exibição de filmes para a turma. Produções indicativas de 16 e 18 anos, para alunos de 12!, cuja violência desencorajou a presença até mesmo da bebezinha da professora...

Mas todo mundo erra, não é verdade? Não sejamos tão maldosos e críticos... Por isso a mãe alertou por escrito a direção, no sentido de promover a adequação dos conteúdos, selecionando outros DVD's. Espera-se, é claro, um belo pedido de desculpas por parte da escola, para, em seguida, nobremente envergonhada, realizar as devidas conformações. O pior foi a reação: retiraram da sala de aula unicamente a filha dessa mãe "desaforada", explicando o episódio aos demais alunos, de modo que todos passaram a zombar da menina... Haveria conduta mais inadequada do que essa?

Nem mesmo a visita pessoal dessa mãe modificou o cenário. A tragédia somente foi contornada, a custa de muito desgaste e de outras visitas, acompanhada de advogada, inclusive. Ao invés de acatarem a crítica, suspenderam a atividade, como um menininho mimado...

Chega a ser surreal... Um sentimento impactante de paralisante abandono... De uma preocupação e desconfiança assustadora sobre tudo o que nos cerca... Socorro.

Aliás, acho que vou alterar o título do texto. Essa pedagogia não é nada barata, e o valor da mensalidade é prova suficiente. Vou chamar "Pedagogia de barata". Seria a classificação mais indicada pelos melhores estudiosos...

E é na cabeça!

O meu assalto recente não passou de uma brincadeira. Foi uma tentativa frustrada e tudo saiu muito bem. Ele até devolveu meu celular, sem eu sequer o pedir.... O homem foi solidário, mas foi esperto também. Percebeu que o aparelho não lhe daria muito futuro. Preferiu sair de mãos vazias, do que passar vergonha perante os comparsas, com um produto de quinta categoria, o que serviria apenas para desqualificar sua performance. Dignidade acima de tudo!

Conversávamos três amigos expansivamente à meia noite, em uma rua escura e sem movimento, sozinhos, na calçada de um clube, com a porta do carro aberta e desfrutando ingenuamente da segura liberdade de trinta anos atrás...

Discretamente, a moto chega e:

   - Escora todo mundo na parede. Se fizer qualquer coisa eu dou um tiro, e é na cabeça!

Apesar da exclamação, ele foi sutil. Voz branda e sem euforia, conduziu tudo como uma encenação de adolescente... Acreditou que não tínhamos nada a oferecer, elogiou meu colega e partiu em busca de outra vítima mais interessante.

Pensando depois em casa, conversando com a minha esposa, cheguei a algumas conclusões. Toda essa tranquilidade não diminuiu o nosso risco. Mata-se assim mesmo, por brincadeira. A banalidade colocou a vida humana como uma simples moeda de troca: "O relógio ou a vida!", "o celular ou a morte!", "dez contos de réis ou um tiro na cabeça!"...

Foi embora. Mas poderia ter disparado na saideira... É quase a mesma coisa...

Desde quando despertei, sempre que me lembro, tenho um embrulho nas tripas...

Essa é a vida, essa é a morte.

A menina da escada rolante...

Ia ao banco, no Shopping, e peguei a escada rolante... Estava vazia, só eu descendo. Mas uma menina queria subir, lá em baixo, na contra-mão. Percebi, na verdade, que era apenas uma brincadeira de adolescente. Ficava caminhando sem progredir, como numa esteira... Sorria.

Era uma menina alegre e bonita. Tão nova e tão produzida: cabelo curto, envaidecidamente montado, e remontado com as pontas dos dedos a cada sete segundos; pó, maquiagem nos olhos e batom forte; a camisa eu não lembro, mas o short era jeans, resguardando somente o essencial e desfiado nas pontas; pernas brancas e vistosas...

Antecipando a passagem, ela abre caminho à distância, enquanto eu me aproximava...

Era um homem. Era. Um garoto. Não sei o que pensar...

Somos todos juízes, todos os dias, a cada nova situação que se nos apresenta. Qual será a justa sentença?

Tenho todo o direito de sentir qualquer coisa entre os extremos, por qualquer criatura... Isto é até incontrolável, cujas motivações são as mais obscuras... Relaxe.

O meu parâmetro (racional e não emocional) é a felicidade. Este patrimônio acima das leis, da cultura, dos modelos, cujo limite é a infelicidade alheia, o mal ao próximo...

Porque condenar uma jovem como essa à clausura de seu próprio quarto, diante de seu próprio espelho, se o mundo está aí fora, maravilhoso e espaçoso, para a gente ser e viver ao nosso estilo? Essa perturbação não afeta somente a ela... Esse temor não amedronta unicamente a ela... Essa coragem também nos desafia.

"É apenas uma ideia que existe na cabeça, e não tem a menor pretensão de convencer" (Lulu Santos).

Passei caladinho, disfarçando uma naturalidade inexistente, com um certo orgulho no meio do peito...

A fome...


Todos nós temos aquele episódio dramático que mais nos sensibiliza. Pode ser o câncer, crianças com câncer, aidéticos, hansenianos (leprosos), viciados da cracolândia, moradores de rua, sem terra, órfãos, velhinhos do asilo, e essa lista não acaba, porque o que mais se tem no meio do mundo é desgraça para a gente se importar... Pois bem, nesta relação interminável, o que mais me aflige é a fome. Falo da fome absoluta, da extrema pobreza, da miséria completa, e compreendo direitinho o despertar do meu interesse: as campanhas publicitárias da década de 80 em torno da África, que culminaram na clássica produção "We Are de World", liderada por Michel Jackson, com sua trupe de popstars...

Celebridades à parte, e sem estabelecer qualquer hierarquia no rol das mazelas e enfermidades, penso anestesiado como a espécie humana, tão evoluída e tão sofisticada, convive sem maiores problemas com espaços tão díspares, distribuídos no planeta, quando lembramos por exemplo do Haiti e Dubai. E é incrível como esta realidade (em alguma medida) se repete dentro de um mesmo país, em regiões distintas, cidades vizinhas, num mesmo bairro, na mesma avenida...

Dividimos isso todos os dias, com a naturalidade de quem vai para o trabalho...

Não acho que o Estado tenha obrigação de patrocinar a felicidade das pessoas, que devem ser donas de si. Mas nascer no meio da fome, da miséria, do completo abandono, sentenciado à morte e ao sofrimento, sem que se tenha cometido qualquer delito, não me parece nada aceitável... As nações são ilhas, quando se trata de solidariedade; as fronteiras são abismos, quando se trata de pobreza; porque, quando o assunto é riqueza, a lógica é exatamente oposta, até as últimas consequências...

Existe um limite a partir do qual a tolerância deixa de ser fashion, a retórica não convence e a filosofia não encanta... No meio da miséria, só o socorro interessa. O resto aborrece.

A medir pela propaganda, acho que a África superou seus problemas de inanição... Graças a Deus!

O Clube das Chaves

As fofoqueiras da calçada me contaram que o Clube das Chaves se passou em João Pessoa há muito tempo. A fundação do bairro do Miramar em 52 inaugurou também este espaço, que dava literalmente muito prazer para a socialite da capital. Era secreto e envolvia casais da mais alta classe...

Funcionava assim: eles entravam e as esposas iam logo ocupando os quartos, muitos quartos, uma em cada quarto. Ficavam lá trancadas. Depois embaralhavam-se as chaves e as distribuíam entre os maridos... Era como uma roleta russa do sexo. A formação dos casais durante a brincadeira não correspondia àquela abençoada nas igrejas sustentadas pelos dízimos dos nubentes, nem amplamente retratada pela imprensa, nas festas de gala (e bote gala nisso)...

Não critico o swing - que por sinal está super na moda -, mas a hipocrisia. Essa vida esquizofrênica, de encenar o politicamente correto (com o perdão da contradição) para a platéia, quando por atrás das colchias solta a franga, gozando justamente daquilo que aparenta resistir...

Por falar em político, tenho um caso interessante. Há um projeto de lei para regulamentar a profissão de prostituta: essa atividade tão rejeitada quanto consumida, tão descartada quanto comida... Nas audiências e sessões do Congresso, a ideia será duramente repudiada pelos mais nobres parlamentares, tenha certeza. Por outro lado, vi uma reportagem que tratava do sério problema, que é a carência de garotas de programa, frente a demanda dos grandes eventos de Brasília.

O exemplo citado foi a Marcha dos Prefeitos na Capital Federal. Um Deus no acuda! Tiveram que trazer prostitutas de Goiás e outros estados para dar conta da festa e alimentar a disposição dos mandatários e seus assessores, muitos assessores...

Quanto ao Clube das Chaves, ele se desmanchou e foi descoberto, por causa do jogo das probabilidades: o marido azarento sorteou a própria esposa (também azarenta)... Não aceitou por nada e fez escândalo!

Tem gente que não sabe jogar... Uma lástima...

LUTO

É com profunda resignação que informo a todos do meu falecimento, que ocorreu na madrugada de ontem, nas proximidades do Wi-Fi Bar e Restaurante. Ao sair deste ambiente, começo a sentir um mal súbito e uma sensação estranha na região do bolso frontal esquerdo, quando notei que o mesmo estava vazio. Entrei em pânico! Um sentimento de itálica solidão e sublinhado isolamento do mundo me arrebatou. Quiz desligar, mas fui carregado pelos amigos reais (sem graça e reais).

Levaram-me à Delegacia especializada, onde consultaram meu status e realizaram exames de imagem, com tecnologia Full HD. Esperamos completar o download clínico e imprimir o diagnóstico, nada surpreendente: "óbito em decorrência de roubo de Smartphone 3G, por volta das duas da manhã, provavelmente por ação de um hacker".

Aos que me curtiram durante toda essa linha do tempo, e àqueles que compartilharam dos links mais importantes da minha vida, desejo-lhes muito sucesso, revelado por meio de publicações e muitos, muitos comentários; seja no Face, WhatsApp, Instagram, Twitter e toda essa magnífica e perigosa rede social, que nos torna tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes...

Aos que ocultei amizades, minhas sinceras desculpas, por nunca tê-los visto antes, ou não confiar no seu perfil e não ter tido coragem de dizê-lo pessoalmente. Faz parte das relações virtuais, peço compreensão...

Aos que me negaram solicitações de amizade, meu perdão e minha compreensão também. Devo admitir que não fui tão agradável quanto imaginei que fosse...

Às efêmeras namoradas virtuais, o sexo - sem toque, sem cheiro, sem beijo, sem carne - deixará  saudades...

O legado às gerações futuras poderá ser facilmente visualizado através do meu canal no Youtube ou pesquisado no Google. Nossa conexão permanecerá pela eternidade...

Com as bênçãos do todo poderoso Bill Gates e de seu filho Steve Jobs, o salvador, me despeço deste mundo virtual para entrar na plataforma espiritual, onde não haverá virus, spams, nem e-mails indesejados; onde a bateria nunca se acaba.

Leonardo Galaxy (* 22/04/2010 + 18/10/2013).

Léo-Pidão

Os meus problemas de caráter existem desde pequeno, revelado especialmente na hora do lanche, que representa uma atraente (e tentadora) fatia da rotina escolar. Os salgados e refrigerantes circulando em massa pelos corredores, pátio e salas é de causar inveja em qualquer um que não dispunha deste cafuné nutricional, no meio das aulas. E comigo não foi diferente. Corrijo: comigo foi diferente sim, porque no meu caso faltara compostura.

Decidi acabar com esse sofrimento mirim e arranjei por conta própria uma solução. Me vali da aparente ingenuidade, carinha de anjo e do carisma que me acompanhara naquelas épocas, para educadamente, expirando desalento, pedir uma única "mordidinha" do salgado do amigo. O gole da Sukita ficava por conta do freguês. Foi um sucesso. Como conhecia muita gente, saciava-me além da conta, ao ponto de recusar generosidades!

Em pouco tempo, a fama do lucrativo empreendimento cresceu, e com ele a minha ganância. Passei então do uso ao abuso, até que um engraçadinho hiperativo (que existe em toda escola) me colocou o implacável apelido de "Léo-Pidão", o qual logo caiu na simpatia dos colegas, arruinando a minha carreira em dois ou três meses. Desconfio que esse cara deva trabalhar hoje na imprensa, ou não descobriu a sua vocação... Pensando melhor, analisando o contexto, o adúltero da trama era eu, e por isso a vida me cobrou uma pensão robusta, mas sem direito a advogado (registre-se)...

Resignado, baixei a cabeça, larguei o vício e restaurei a conduta civilizada, promovendo uma satisfatória ressocialização, porém a mancha do meu passado inglório permanecia nos antecedentes criminais. A memória curta do brasileiro não agiu para mim: o Pidão somente caiu em desuso no ano letivo seguinte, quando passei a consumir as delícias da cantina, sendo que desta vez, na qualidade de legítimo possuidor, como deve ser.

Ainda tive uma boa oportunidade de limpar a história recente e reverter os fatos em meu favor. Mas não soube aproveitar... Reativamente, os colegas passaram a pedir pedaços da minha comida - mais como teste de personalidade do que outra coisa -, ocasionando um certo alvoroço na minha psiquê. Dizem que quem passou fome permanecerá com esse temor para sempre. Até hoje consumo os biscoitos do mês inteiro nos primeiros dias da feira... A fartura me causa inquietude. Resultado é que não consegui ser nobre, escorregando sem remoço, com uma retórica nada louvável:

   - Se eu der um pedaço a vocês, nenhum de nós matará a fome, porque todos comerão pouco. Neste caso, comerei sozinho, porque assim, pelo menos alguém ficará satisfeito.
...
Concluindo este relato, acho que vou almoçar dois pastéis na bodega da esquina. Um de cada sabor, só por nostalgia... E que nenhum mendigo apareça para me pedir nada!

O professor

Quero aproveitar este dia simbólico que passou para dizer o que penso sobre o professor, a quem aprendi a simpatizar, admirar, venerar e até invejar. Hoje estabeleço uma relação meio sagrada com ele, exagerada mesmo, anormal. Revelarei o que acho deles, sem medo de errar - o que não me causaria qualquer constrangimento, desde quando me tornei um sem vergonha...

Entendo a educação como meio, e não um fim em si mesma. Ela está sempre direcionada para alguma coisa: desenvolvimento de habilidades e cognição, formação humana, qualificação profissional, etc. Está sempre a serviço, contribuindo para um determinado objetivo. É meio, mas não significa que seja pouco importante, uma vez que é meio indispensável, daí sua relevância. Vejo o docente assim.

O professor é um serviçal, que se coloca como instrumento na vida das pessoas, a quem chamam aluno. Trabalha para o crescimento dos outros, o desenvolvimento alheio, a conquista e realização dos sonhos de terceiros... Se volta inteiramente para fora, exercitando aquilo que se opõe ao egoísmo... Não realiza muita coisa sozinho, por ser acessório. O principal são os educandos, que constroem a sua história, desenvolvem suas potencialidades e decidem o seu caminho...

Talvez o professor seja como um bote que atravessa um rio ou um lago, levando pessoas de um lugar para outro. De um mundo conhecido, seguro e monótono, para outro novo, dinâmico e atraente, por ser misterioso... Nesta aventura, quem escolhe o percurso até o seu destino é o remador e não o bote. Para isso, devemos enfrentar com coragem e confiança a força oposta das águas e a fatigante distância do trajeto. Assim é o professor essa base (sem a qual nos afogamos), esse indispensável sustento, que nos dá o suporte necessário, mas que não pode (e nem consegue) assumir nosso papel principal de fazer nossas escolhas e trilhar nosso próprio caminho. No final, o mérito será sempre nosso, valentes marinheiros!

Fazendo outra analogia barata, o professor seria como um treinador de futebol, que não chuta, nem faz gol, que não defende nem ataca, apenas administra talentos. Que, para ser campeão, deve criar um espírito positivo de interação, cooperação e solidariedade, a fim de que se consiga extrair o melhor de cada um e o conjunto possa render o máximo possível. E as estrelas serão sempre nós jogadores!

É neste papel secundário, porém indispensável, que exergo o docente. Penso que o sucesso do ensino e aprendizagem será melhor quando ele se der conta de que é menos do que parece ser, e os estudantes, mais do que pensam que são... Em palavras fáceis e duras: o professor precisa baixar a bola, para elevar a bola dos alunos. Assim será um educador de verdade, assim será grande, imenso...

O professor não dever se apresentar para dar show e impressionar os que o ouvem, porque ele não é artista, a sala não é teatro, os alunos não são platéia e a aula não é espetáculo. O paradigma é inverso: o professor deve atuar para proporcionar o show dos alunos, desenvolvendo seus talentos, estimulando suas potencialidades, deixando brilhar suas estrelas...

Quando assisto à aula de um bestseller, saio admirado com a metragem da sua inteligência e, ao mesmo tempo, convicto do tamanho da minha burrice, agravando meu problema de baixa auto estima. Mas quando participo de um encontro, onde construímos conceitos, debatemos idéias, interagimos conteúdos, errando e acertando com a mesma naturalidade, saio entusiasmado, motivado, feliz...

Neste palco, o esforço do educador deve se direcionar para o Oscar de melhor ator coadjuvante (o que seria magnífico e digno de toda honra); porque o protagonismo, o destaque e a estrela maior, deixemos para os educandos (bom que fosse assim).

O professor é essa profissão de meio e sementes, cujo fim e frutos serão gloriosamente experimentados por aqueles que se enriqueceram do seu trabalho, carregando coisas boas e úteis para a felicidade na vida, a realização pessoal e o sucesso profissional. Se a educação é o caminho, o professor é a passagem, a parada obrigatória e fundamental na construção de um futuro melhor, e que seja para eu e tu, nós, vós e eles...

Aos professores do mundo inteiro, de todas as épocas e todos os estilos, meu louvor e minha reverência!

Cidade vazia

A cidade está vazia
Nenhuma inspiração pra minha poesia

Corpos presentes
Mentes doentes
Almas sem alegria

A cidade está vazia
Nenhuma inspiração pra minha poesia

Olhares abaixo
Só mais um capaxo
Desta desarmonia

A cidade está vazia
Nenhuma inspiração pra minha poesia
Povo sintético
Nem mais o boteco
Me traz alegrias

A cidade está vazia
Nenhuma inspiração pra minha poesia

Cadê o verde?
Só vejo parede
Isso dá agonia

A cidade está vazia
Nenhuma inspiração pra minha poesia

Não vejo a Princesa
De rara beleza
Desfilar Poesia

(Sra. Mari Ghella Rego).

A macumbeira

Há muito tempo, ainda criança, frequentava assiduamente uma casa da família, cuja empregada trabalhava por lá fazia um século... Trabalha até hoje, inclusive. Ela era uma autêntica representante da negritude, cuja africanidade estava (e está) estampada em todos os seus traços, sem escapar nenhum. Na síntese da minha querida avó quilombola, era uma "negra legítima". Penso que a sua ascendência não deva ter participado muito da miscigenação que caracterizou a nossa história. Era gorda e usava um lenço na cabeça...

A recomendação sussurrada dos cuidadores era essa: "não chegue muito perto dela, porque ela é macumbeira"! Dizia-se isso com uma encenação que misturava preocupação, cuidado, temor, estranhamento, desconfiança, nojo..., perpassada por gestos e palavras. E tudo isso me fora transmitido por herança. Aquela senhora se desconfigurou completamente para mim. Perdera a sua humanidade. Tudo nela associava ao capeta. Tornou-se uma monstra, a bruxa do 71!

Procurava sinais do satanás e encontrava naturalmente: quando sorria e ria, quando falava e gritava, quando andava, trabalhava e especialmente quando cozinhava. Era gorda porque era mãe-de-santo, cobria a cabeça porque era mãe-de-santo. Imaginava ela permanentemente endemoniada, cuja vida e liberdade fora negociada ao diabo para sempre... Dialogava apenas o inevitável e a observava com a desconfiança de quem descobrira a identidade secreta de uma espiã infiltrada da KGB...

Dá pra imaginar que a construção desse personagem dificultou também a aproximação com o seu filho, prejudicando o entrosamento das brincadeiras. Talvez tenha sido maldoso com ele (eu era mais velho). Certamente fui...

Afastando-me mais do catolicismo (embora ainda conserve a formação cristã), passei a ver o candomblé como uma religião, nada mais, nada menos. Tratei de reconhecer a imensa e positiva contribuição do negro na formação do nosso povo e construção da nação. Se o trabalho dignifica o homem, há muito mais dignidade na senzala do que na casa grande, e é daquela que vem a nossa linhagem de nobreza... A fatia da cultura africana (incluindo nisso a religião) é hoje uma das coisas que mais me orgulha enquanto brasileiro. Acredite: somos muito mais africanos do que europeus, e isso não é difícil de verificar...

Passaram-se os anos, as décadas. Sem nunca imaginar, encontro "a macumbeira", hoje, querida senhora, no comércio. Havia esquecido dela. Volto alguns passos e me certifico. A vida me dava uma oportunidade de reconciliação... Destilei todo o meu amor em quinze minutos de íntima conversa e três ou quatro abraços calorosos de saudade... Atualizamos a nossa história de escolhas, alegrias, sofrimentos e perseverança. Nos despedimos sorrindo, amigos e amantes. Eu, com a alma redimida do pecado, com o espírito puro, vislumbrando adiante, a gloriosa salvação...

Aliás, acho que vou ter que usar um lenço na cabeça... Estão caindo cabelos no meu almoço... É uma questão de etiqueta.

Paraíba masculina

Nesse mundo tem gente pra tudo, e ainda sobra um pra tocar gaita, conta o poeta Jessier Quirino. Pois bem, tem gente homem e gente macho, machô-chô. Nas fofocas de repartição pública (as quais sempre prestigio atentamente), ouvi histórias desse tipo de gente, que sintetizarei pra você. Não me conte nada em segredo, porque perderemos nossa amizade.

O macho do relato é democrático. Ele trabalha, porque "o trabalho dignifica o homem". Mas como nesta filosofia não se fala em mulher, ela não pode trabalhar. Ele é comerciante, usa a comunicação e lida diretamente com pessoas, principalmente mulheres, a quem dá especial atenção. A final, é uma questão de democracia, qualquer intelectual sabe disso. Se você discorda, é burro.

O macho é precavido. Preocupa-se com o corpo e faz academia regularmente. Mas ela não pode, porque já tem saúde, não há o que melhorar, está boa demais. E aquilo não é ambiente para ela. Tem muito homem mal intencionado, que pode desgraçar a nossa vida...

O macho é conectado. Ele tem Facebook, ela não. É perigoso. Muita gente ruim vai bisbilhotar a nossa intimidade, pondo em risco a integridade familiar... Gente mal amada. Ele só usa a rede profissionalmente, não devemos temer.

O macho sabe das coisas. Nos bares e restaurantes, somente ele pode ir ao banheiro, porque o homem urina mais, já que bebe cerveja. Um copo de suco ou água de coco não é motivo para tanto... Retocar a maquiagem se faz na cadeira mesmo, para isso existem os espelhinhos dentro da bolsa. Não inventa!

O macho se preocupa com o orçamento familiar. Vendeu os dois carros populares que possuíam (utilizados por ambos), para comprar um único de luxo (só para ele). É para economizar na gasolina. Pesa também a consciência ambiental, muito forte...

O macho é cuidadoso. Esta mesma dedicação dispensada à esposa, estendeu agora à amante. A outra trabalha no comércio e isso está o deixando pra não viver... Confidenciou aos amigos que é muito ciumento e que, se a esposa o trair, ele a mata.

Você deve está pensando em doença. É verdade: essa mulher tem problemas. E ele... é criminoso. Também...

Essa terra masculina tá precisando mesmo é de mulé-macho...

Novela 2 X 1 Futebol.

Parei de criticar novelas quando me dei conta do que é o futebol, cuja melhor definição é aquela dada pelas mulheres: vinte e duas pessoas correndo atrás de uma bola... É simples: o grupo que conseguir levar o brinquedinho circular até um determinado lugar, marca ponto (chamado gol). E, para ficar mais difícil, proibiram utilizar as mãos, sendo esta toda a graça do negócio. Fui obrigado a concordar...

Por outro lado, não suporto novela. Não vejo graça em acompanhar aquelas histórias de sempre: a mocinha e o mocinho, o vilão, as aventuras miraculosas, as mentiras... E tudo vai ganhando um sentido que não consigo compreender direito. Os programas de televisão, os colegas de trabalho, as redes sociais... todos começam a debater a trama e se envolver pateticamente. É mesmo perturbador...

Por que as pessoas nunca comem a comida que está na mesa, só beliscam? Por que as casas pobres são bem bacanas, perfeitamente decoradas? Por que as pessoas não arrotam, soltam pum ou falam palavrão, de vez em quando? Por que as roupas não estão um pouco amassadas ao final de um dia de trabalho? Por que elas acordam de batom, maquiagem, penteada e sem bafo? Por que só os fortes tiram a camisa? Por que as pessoas são ou perfeitas ou imprestáveis, caricatas e não normais? Chega a ser irritante...

Mas pense comigo, macho com H: existe coisa mais idiota do que discutir futebol? Apesar da fantasia, a novela fala da vida, levanta polêmicas, enfrenta tabus, constrói. Mas o futebol... Foi pênalti ou não? Foi frango ou não? O meu é melhor que o teu, o técnico é burro, o juiz tá roubando... Para pra pensar, robocop: isso é conversa de gente? Confesso meio constrangido que para mim faz todo o sentido e dá prazer. Perco a hora, desmarco compromissos... Nesta disputa, devo dizer, lamentavelmente, que perdi o jogo.

A novela me quebrou preconceitos. Me descobri normal, gente boa, que gosta de virtuosidades e banalidades, como qualquer um. É bom ser humano. E muito mais sentir-se humano! Hoje, aguardo silenciosamente o final da novela, esperando, democraticamente e com entusiasmo, o futebol... (tenho até dado umas risadas com o Félix, mas não conta pra ninguém).

Isso para mim é Amor à Vida.

Uma aula de perseverança

Este texto é uma colaboração do meu amigo Luís Henrique,
que, generosamente, enriquece este espaço
com o seu talento e suas reflexões.


Por que ficar confinado em uma sala de aula convencional, entediante e sem graça, se um espaço imenso, ao ar livre e com visão privilegiada da cidade e das montanhas que a limitam, nos espera? Foi esse o cenário escolhido pela professora e crianças da foto acima para exercitarem o que os especialistas pomposamente chamam de processo ensino-aprendizagem, embora persistam em mim sérias dúvidas quanto à motivação poética da escolha.

Alguns mais cautelosos poderiam indagar se os protagonistas da cena protegeram-se devidamente dos raios solares com o protetor adequado, tipo FPS 30 ou superior. Outros podem apontar o desconforto dos assentos ou até mesmo o calor que pode debilitar a saúde daquelas crianças sob um sol causticante.

É razoável questionar se não deveria haver um bebedouro com água geladinha, que cairia bem com esse calor. Igualmente, nenhum sinal de merenda escolar percebo. Nem preocupadas mães, em seus SUV modernos e importados, a esperar as crianças. Deve ser por causa do ambiente original e poético da foto. Não combina com essa mesmice.

Pode-se ainda argumentar que nem uma bola de futebol (ainda que tosca e desgastada pelo uso) há para entreter as crianças, que, atentas, postam-se comportadas, dividindo seus olhares e atenção com a professora e um quadro de frágil concepção, precário mesmo, insculpido diretamente na parede da edificação. Penso comigo mesmo que dali dificilmente sairá um Neymar.

Convenhamos, eu não me sentiria confortável ali, por mais bucólica que seja a paisagem que se descortina ao largo. O sol, a areia e o vento me incomodam desde já, mesmo estando aqui, do lado de fora da foto.

Não me recordo de quando criança ter-me submetido tão docilmente a uma situação desta. Mas não sou parâmetro para essa gente. Eles são bem mais nobres que eu, refém do meu comodismo urbano, burguês e dondoca.

Esses legítimos representantes dos povos morenos criados ao sol (resgatando aqui, de forma literal, o mestre Ariano Suassuna), têm no seu endereço genético os anticorpos, as imunidades, que lhes conferem uma resistência ímpar, que os faz ri, quando chorar seria mais óbvio e que vivem, quando sequer se supõe que poderiam aguentar.

Coisa do destino...


Saí às pressas para um evento de Advocacia Popular na universidade, mas quando chego, dou de cara com um arco-íris decorando uma roda de diálogos. Perguntei discretamente a um colega e descobri que estava no lugar errado... Mesmo assim fiquei, porque tenho afinidade com as demandas LGBT. Muita coisa aconteceu... Você não faz ideia.

Entro na hora da apresentação dos participantes e, naturalmente, chegou a minha vez. Conto o desencontro - colhendo alguns risos - e me contam que o evento havia acabado há umas duas horas - colhendo outros risos. Estava ali por engano, mas me acolheram naturalmente. Passo a palavra, quando me interpelam, porque havia esquecido do principal: "sou hétero".

Mas não me senti diferente por isso. No fim das contas somos gente! Na essência, somos essa coisa que sabemos muito bem... O resto é decoração, é a cereja do bolo... É fantasia, é imagem, nada mais. Não é possível que a orientação sexual possa nos estranhar tanto, nos distanciar, nos separar, nos dividir, nos rivalizar, nos guerrear, nos matar... Mas é, meu camarada... É muito possível... É real.

Assino a lista de presença, para valorizar o quórum, e fico ali, ouvindo coisas bonitas... Histórias da vida real... Uma riqueza. Fui percebendo que estava mesmo no lugar certo e não havia me enganado coisa nenhuma. A humanidade naquele lugar era latente! E quando me sinto gente - gente como a gente - me sinto vivo, me sinto bem...

Pra terminar, sorteiam o número 24 da lista de assinaturas e presenteiam Leonardo Dantas com uma bela camisa: "tire o seu respeito do armário"!

Coisa do destino...

A arte e o artista

Desculpe a arrogância, mas acho que hoje descobri o que é um artista. Digo artista! Não necessariamente aquele ator da televisão, aquele cantor de sucesso, aquela celebridade. Artista não se mede assim, de fora pra dentro, pelo repercussão da sua obra, pela exposição.

Artista é um sentimento, uma percepção, uma relação visceral com a arte. Artista encontra na arte o socorro da sua vida, a última escapatória possível. Artista é insano e a arte é seu remédio. O artista se confunde com sua arte, numa simbiose patológica, mas, ao mesmo tempo, vital.

E não precisa fazer bem feito, muito menos ser reconhecido. Nada disso. O artista está nas ruas, nas calçadas, nas periferias, enclausurado no quarto, preso na cadeia; somente às vezes nas galerias, de vez em quando nos festivais, eventualmente nos museus, raramente nos palcos luxuosos...

O artista se perde... Mas se acha a si mesmo...

A vida é mais do que o trabalho, mais do que a feira, as contas, o shopping... A vida é mais do que o salário, o carro, o móvel e o imóvel. A vida transcende. A vida não é só pão, é circo também... É magia, é fantasia, é sentimento, é emoções... A vida é alma. E a arte é tudo isso.

Sem ela, o homem é um ser biológico, que nasce, cresce, reproduz e morre. Que tem fome e sede, inteligência e instintos. Pouco mais do que isso. Mas, com ela, a vida não tem tamanho, não se mede, não se explica... A arte resgata a essência desaparecida, que engrandece a existência a faz a vida valer a pena...

O artista se transporta para o imaginário, o etéreo, e com ele se desfaz. Onde não há régua nem regras, nem formas, nem estilo, nem críticas, nem nada. E ali se descobre, e ali se completa.

Pelos Direitos Humanos...

Há tempo tento falar e não consigo. Recentemente pedi voz num auditório e, diante de umas cem pessoas, falei, falei, sem dizer nada... Estou mesmo confuso. Talvez escrevendo consiga organizar as ideias, reduzindo a ansiedade, deletando, respirando fundo e recomeçando.

Os Direitos Humanos têm mexido com o Brasil, gera polêmica e agora virou guerra. Sei que "o direito é filho da luta e só pode manter-se pela luta" (Flóscolo da Nóbrega). É justamente sobre essa luta que tento me manifestar sem sucesso...

Estereotiparam os ativistas, desqualificaram os militantes, rejeitaram o Direito. Pensamento que contagia a sociedade e é, sem dúvida, lamentavelmente hegemônico. Essa guerra é da comunicação e os Direitos Humanos não estão sendo compreendidos...

Mas o que pretendo mesmo examinar é o fenômeno inverso: muitos humanistas, por outro lado, não me parecem ouvir as críticas da melhor forma, também construindo esteriótipos e obstruindo os canais de comunicação... Ou seja, neste diálogo (se é que existe), o ruído vai nos dois sentidos, cada um mais armado que o outro, ocasionando um saldo de entendimento mútuo praticamente inexistente. Virou guerra.

Por mais esquisito que possa parecer, coloco-me ao lado dos defensores dos Direitos Humanos para alertar - com toda a intransigência e descaramento que caracterizam a minha personalidade - sobre a melhor leitura que podemos fazer das reivindicações e desabafos de muitos da sociedade a cerca dos "direitos humanos dos bandidos" e da "impunidade dos marginais"...

A marginalização social é uma chaga histórica e inconstitucional que maltrata a sociedade brasileira, fabricando delinquentes em escala industrial, lhes permitindo apenas saídas heroicas e obviamente pouco prováveis... Para completar, o tratamento penal dado aos infratores é, sem exagero, o pior possível. A prisão é o lugar da mais absurda manifestação do cruel, de onde não escapa um único fiapo de sensibilidade... A privação de liberdade é na prática privação de tudo. A concreta animalização da pessoa humana. Um laboratório a serviço do mal. Uma tragédia incalculável. Ressocialização? (O que é isso?). Tudo torna o trabalho dos defensores dos Direitos Humanos muito legítimo e elevadamente nobre. Um protesto da mais profunda humanidade...

Porém, é preciso respirar fundo para compreender que a legitimidade das demandas de um grupo não desfaz a razão do outro, porque a violência cresce para todos e o sistema não está bom para ninguém. Ora, objetivamente, não é justo que um cidadão seja assaltado nas ruas, no trabalho ou em casa... Também não é justo que Dona Maria perca Mariazinha, brutalmente assassinada a caminho da escola (ou mesmo dentro da escola)... Não é justo viver permanentemente amedrontado em uma localidade com estatísticas de guerra... Não é nem mesmo justo ter o seu smartphone, de última geração, roubado na entrada ou saída do shopping center...

A incontrolável revolta de Dona Maria - desejando o pior possível para o adolescente agressor de sua filha - deve também ser vista como um grito de legítima e instintiva humanidade! Não se pode vê-la como inimiga, porque a guerra não é contra ela. Ela também quer paz e dignidade, amor e solidariedade, respeito e tolerância... Ela também é vítima de um sistema confuso e falido, que coloca os aliados, uns contra os outros, tornando as coisas ainda mais difíceis de se resolver...

Infelizmente (e com certa justiça), Dona Maria não consegue perceber os defensores dos Direitos Humanos ao seu lado. Infelizmente (e com certa injustiça), os militantes não veem em Dona Maria uma aliada...

Precisamos "combater o bom combate", da forma estrategicamente mais adequada. Há quem se oponha para conservar os privilégios de que gozam. Mas há outros, e são muitos, que estão no mesmo barco, cidadãos comuns, também oprimidos pelas estruturas de poder (em maior ou menor grau); que não entendem direito as coisas (e são difíceis de entender mesmo); que só têm fôlego e energia para protestar contra a injustiça que "imediatamente" os cercam, os atingem ferozmente e tornam suas vidas um inferno. É este também um grito de humanidade!

Para com os primeiros, privilegiados e mal intencionados, não há diálogo; é guerra mesmo. Eles compreendem as coisas, sabem muito bem aonde querem chegar (ou não chegar) e podem ser considerados inimigos (no sentido mais democrático da expressão, é preciso esclarecer). Mas os últimos (os cidadãos comuns) não sabem de que lado estão, só querem justiça, como nós. Para esses, a aproximação, o diálogo, a troca, o conhecimento, o entendimento... Com o tempo, lutaremos juntos, mais concentrados nos 90% que nos une, do que nos 10% que nos divide...

O Google e a Boa Nova

"Ide por todo o mundo e anunciai a boa nova a toda criatura" (Mc 16,15).

Eis o meu testemunho:
Eu era feliz, quando minha privada entupiu. E minha vida parou junto... Só descobri o problema depois que fiz "totô" com toda segurança e liberdade... Boiava pra lá e pra cá o resíduo de um dia inteiro de intensa nutrição, há quase 48 horas! E ameaçava transbordar... Não tinha paz, nem sossego. Um verdadeiro inferno.

Tentei de tudo: água quente, soda cáustica, coca-cola... Ninguém conseguia me ajudar, nem o diabo verde. Recorri à sabedoria popular e catuquei com vara curta, pra ver se "onça" acordava, mas nada... O meu fatídico excremento já estava entrando (novamente) em decomposição, em meio a uma água que já perdera há muito suas propriedades características - incolor, inodora e insípida -, tornando-a catastroficamente irreconhecível. Não poderia contratar um técnico naquele estado de podridão... Confesso que pensei em tirar a própria vida, e uma voz me incitava a isto. Cada vez mais frequente...

As soluções aparecem quando menos esperamos. Cansado da programação da TV aberta, deitado na rede, peguei o smartphone para me distrair e não continuar pensando merda (literalmente). Fuçando aqui e ali, confessei ao Google sobre a minha aflição e apareceram várias alternativas. Muitas eu já havia tentado, o que me desesperou ainda mais, porque só comprovara que a minha situação era muito preta... e fétida. Mas restava uma. Segui as instruções minuciosamente, sem muitas esperanças... E o milagre aconteceu! Se a fé do tamanho de um grão de mostarda move montanhas, porque não haveria de movimentar um conteúdo infinitamente menor?


1. Cubra a grande "boca" do vaso com um plástico até ficar bem vedado. Eu utilizei papel filme de PVC (aquele que a gente cobre os alimentos). Certifique-se que está bem vedado, pois isto é fundamental para o sucesso do procedimento.
2. Feche o assento e a tampa para reforçar. Sente em cima para reforçar mais.
3. Ainda sentado, dê descarga e permaneça com o botão apertado. Não solte. Espere concluir esta etapa.
4. Em poucos segundos, algum jogo de pressão do ar, que eu não sei explicar, fará com que todo o mal seja exorcizado ralo a baixo...
5. Agradeça ao Google!

E lembre-se:
   - Se você crê será salvo tu e tua casa (At 16,31);
   - Mas se não crê, permanecerá condenado (Mc 16,16).

Mãe é... mãe.

Tenho problemas, e é com datas comemorativas, especialmente o meu aniversário. Não explicarei as razões remotas do transtorno, porque isso não é nada agradável (vamos combinar), nem você vai chorar minhas lamentações, tenho certeza. Essa brincadeira não é de saúde mental. É sobre mãe. A minha e talvez a sua.

Coleciono alguns constrangimentos por causa do amor de mãe. Que parece olhar pro filho, se concentrar nele, e esquecer do resto do planeta Terra. Quatro episódios aparecem imediatamente na memória e, não sei por quê, contarei a você, que me oferece, generosamente, o seu ouvido-amigo.

Sexta série (hoje, sétimo ano do ensino fundamental). Plena adolescência... Vaidade e timidez... O que menos se quer é passar vergonha e pagar mico. A aula é da professora de português, que enxergo perfeitamente se fechar os olhos. De repente, sem consulta, entra minha mãe, sorrindo, com a torta nos braços e a coordenadora ao lado, puxando o coro: "pa-ra-béns-pra-vo-cê..."! Lembro dos risos e daí em diante não lembro de mais nada... Acho que durou umas três horas e meia... A música, é claro.

Vestibular, primeira fila. Estou de cabeça baixa, talvez rezando, porque vai começar. De repente, sem autorização, entra meu irmão - a mando da minha mãe -, sorrindo, e diretamente me entrega pouco mais de meio quilo de jujuba, de todas as cores, em um saco bastante transparente (transparente como nunca vi). Lembro das gargalhadas e daí em diante não lembro de mais nada... Deixei elas eternamente mofando no chão... Até hoje...

2008, vinte e seis anos. "Pode chamar seus amigos, meu filho". Na hora H, minha mãe aparece, sorrindo, e, da cartola, retira uma coleção de chapeuzinhos de aniversário, com liga e tudo... Lembro da surpresa e daí em diante não lembro de mais nada... A liga doía...

Hoje. Meu aniversário. Um marmanjo trintenário, casado e trabalhando, graças a Jesus. De repente, sem protocolo, entra minha mãe na repartição, sorrindo, com duas caixas de presentes debaixo dos braços e uma sacola pendurada na mão - na outra a chave do carro... Lembro das brincadeiras e daí em diante não lembro de mais nada... Apertava os pacotes com o sovaco e tive medo da camisa cair...

...
Acho que vou tratar com a minha mãe. Mas desta vez será de homem-pra-homem...

Baby Brasil


Lembro de estudar história e tudo me parecer das cavernas. Tempos remotos, que até o historiador seria capaz de esquecer... Para mim era como um conto de fadas, outro mundo, outra história, bem diferente da minha. Eram datas e fatos que tínhamos de decorar e responder na prova, pouco mais do que isso... Deodoro da Fonseca, por exemplo, era praticamente um ancestral, de uma era geológica qualquer... A barba e o bigode só confirmavam minha tese.

Tudo mudou para mim quando inventei de fazer as contas - de mais e de menos. Vovô Belo (pai de mainha) nasceu há apenas 12 anos do império de D. Pedro II! Nasceu também a apenas 13 anos do tempo da escravidão! Aliás, o período da escravidão compreende escandalosos mais de 75% da história do Brasil (contados desde o seu "descobrimento")! Isso, para mim, desafia as leis da natureza e da matemática principalmente. Desafia a própria história. O sentimento é de completa desorientação...

Vamos combinar que vovô não pode ser história. Vovô é vovô. Vovô é presente! Em estado de surto psicótico, fui obrigado a concluir que o Brasil não tem história. Só presente! Me enganaram a vida inteira... A história de que falamos é coisa de nossos avós e bisavós! O funcionário público que vi na TV ontem (com 99 anos de idade) abocanha, sozinho, praticamente 20% da história do Brasil! Isso não é história, porque história é passado. Acho que querem me enlouquecer...

Sigo anestesiado, com o convicto sentimento de que o Brasil é um bebê. Que ainda está aprendendo a andar com as próprias pernas, ler e escrever e, é claro, votar também.

Determinismo


O homem é produto do meio. O homem é produto do meio? O comportamento das pessoas é ou não fruto do contexto histórico, social, econômico, cultural, familiar, afetivo, etc? Se tudo influencia, até onde vai a nossa liberdade? Até que ponto somos de fato responsáveis por nossas escolhas? O livre arbítrio por si só justifica a independência do homem diante de tudo que o cerca? Somos mais fortes que nós mesmos? Ou somos marionetes de uma poderosa superestrutura que nos domina?

As pessoas são iguais ou diferentes? Em quê? Na sua essência, a espécie humana é a mesma de séculos passados? Mudamos muito, nada ou só um pouco? Por que tantos finais iguais para tantas histórias semelhantes? Por outro lado, como explicar reações tão surpreendentes, quando nem mesmo o mais entusiasmado dos humanistas seria capaz de arriscar? Será que faríamos a diferença em outro contexto? Somos mais bacanas do que eles, mesmo? Tá no sangue, no gene, na alma, aonde está? Está em algum lugar? O bem se aprende? O mal se ensina? Violência gera violência ou isso é verdade só para os violentos?

Existe uma massa de gente, mas que vivem escondidos. Gente que a gente não conhece, e que por isso talvez nem exista... Gente violentada, mal amada, ignorada, desprezada. Gente com quem a gente não se preocupa. Gente que só atrapalha. Gente ruim, alma sebosa, que não quer voltar pra casa, que não quer estudar, que não quer ser alguém na vida... Gente-lixo, que deve ser jogado fora, para não contaminar os outros. Gente que mata, morre, gente sem razão, sem sonho, inconsequente, mas que sabe muito bem o que está fazendo... Gente estranha, esquisita, gente errada, gente mesmo diferente.

Gente que quando fica grande a gente enjaula (e que fique enjaulado para sempre). Gente que vai matar nosso filho, a velhinha, a criança, o homem de bem... Gente com quem a gente tem que tomar cuidado, porque vai nos matar também...

Gente que não faz parte. Porque não quis, porque não quer. Gente contra quem a gente clama justiça! Que deve pagar pelo que fez. Gente burra, que escolhe o pior caminho. Que sabe que não é certo, que não vai chegar a lugar algum, mas mesmo assim escolhe. Gente que pede pra apanhar, pede pra morrer... Gente que só resolve levando um pau bem grande, pra vê se... Se ajeita.

bota bota bota

Quem nunca "butou"? Aquilo naquele canto? Calma leitor, estou sendo generalista: aquilo é qualquer coisa e aquele canto é qualquer lugar... O fato é que estamos sempre "butando" e não se vive sem "butar". Eu, particularmente, boto frequentemente e os médicos dizem que só faz bem...

Acontece que estou sendo vítima de uma sadia (porém injusta) discriminação no trabalho, por causa das minhas repetidas "butadas". Sou incapaz de falar por mais de 2 min sem "butar" em qualquer das suas mais variadas flexões: "butei", "butou", "butaram", "butando", "bota", "não bota", etc. Neste requisito, parece que ando acima da média e, por esta razão, a credibilidade do meu discurso anda abaixo da média.

Não me levam mais a sério, se eu "butar"... Me sinto um semi analfabeto de São José da Lagoa Tapada conversando com os "doutores" da capital; ou um paraíba abrindo a boca no sul do país... Estou divertindo as pessoas sem contar piadas - e sem ser remunerado, o que é mais grave. A sorte deles é que eu sou um legítimo sem vergonha, porque, nesses tempos de bullying, só pelo constrangimento, eu "butava" um processo em cada um e veríamos quem ri por último... Mas não precisei "butar" nada (para a sorte deles). Fui redimido com uma bênção apostólica.

O mundo é testemunha de que o Papa "butou"! O Papa! O cara do momento, que destronou Barack Obama. Se até o Papa "butou", se até Jesus (segundo ele) "bota fé nos jovens", eu acho que não só posso como devo "butar" livremente, sem reservas. Inclusive, aconselho você a "butar" mais comigo. Ou melhor, bote sozinho mesmo. Você não precisa de mim para isso...

Essa é a história do camarada Bota que, relegado e discriminado na sociedade, saiu da clandestinidade, assumindo repentinamente um status eclesiástico da mais alta patente, virou celebridade e, mesmo sem saber, encheu de orgulho o pobre coitado e humilhado cidadão que vos escreve...

Como telespectador entusiasmado, incremento, à distância, o coro dos 3 milhões de fiéis, para dizer com fé:

   - Obrigado, Papa Francisco!

Ele me ama.


Hoje vou apresentar uma peça de teatro. É a terceira vez. Ensaiamos durante toda as férias. Estou meio nervosa, mas sei direitinho o que fazer... Jajá vou me maquiar e me preparar para o grande dia, o grande momento. Apesar de ser apenas uma criança, me sinto como gente grande, uma atriz de verdade... Gosto disso.

Meus pais me dão força e sei que tudo vai correr bem. No fim, sempre dá certo... Aliás, meu pai não vai me ver desta vez, porque está muuuuito longe daqui. Ele disse que queria estar presente, mas não vai dar tempo, porque a viagem demora 6 horas... Disse que precisa trabalhar para comprar comida, roupas, pagar a escola, essas coisas. Mesmo assim, fiquei triste... Vamos tirar muitas fotos para mostrar a ele depois. Queria que ele estivesse comigo... O pai das outras meninas vai estar lá, menos o meu...

Ele disse que vai ficar torcendo por mim e eu acredito. Ele disse que me ama. Então porque não está aqui? Melhor não pensar nisso...
...

Tudo pronto, vai começar...
...

Já acabou? Foi fácil. Acho que tenho jeito pra coisa. Queria que o meu pai tivesse visto... Agora vou ao palco cumprimentar a platéia, como fazem as atrizes...

   - Aê, Julia!!!

Oxente, é meu pai, ele veio! Ele veio, não acredito! Ele me ama.

   - Papai, você veio! Eu te amo.
   - Também te amo, filha.

E ainda enxugou minhas lágrimas.

Gênio Indomável

Conheci Ivanildo (chamam Nildinho). Faz a limpeza da repartição. Apresentaram-me como um "viajante", que gosta de conversar sobre filosofia, política, religião ou qualquer coisa que você inventar, é só dá o mote. Mas não sabia que ele iria tão longe.

Tentávamos resolver uma questão de trigonometria, que havia sido cobrada no último concurso para Auditor Fiscal da Receita Federal, quando ele chegou. Por brincadeira, copiamos o enunciado e pedimos que trouxesse resolvido na segunda-feira, já que era esperto. Ele disse que estava estudando mesmo trigonometria atualmente... Nesse tempo, descobrimos uma fórmula estrambólica e difícil de decorar que resolvia diretamente o problema, sem arrodeios. Contudo, estava lançado o desafio.

No dia marcado, ele nos entrega um papel, meio amassado, meio rabiscado. Eram os cálculos e a resposta estava... certa. Ficamos tentando entender como ele chegou àquele resultado sem utilizar a fórmula estrambólica. A cena era esta: eu e um colega debruçados sobre a mesa, confusos, e ele varrendo o nosso chão. No mínimo estranho...

Por um instante, achei que deveríamos limpar o chão dele. Por um instante, senti-me digno de um salário mínimo. Vislumbrei alguma injustiça nisso tudo. Em fim, depois de algumas tentativas frustradas, acompanhamos o seu raciocínio, um pouco desconcertados.

Nas semanas seguintes, revisando o assunto, meu colega retomou a questão e os cálculos (havia guardado o pedaço de papel). Pediu-me ajuda novamente e gastamos outros bons minutos lembrando de onde vinham aquelas contas. Desistimos e decidimos esperá-lo para nos socorrer novamente. Insistimos um pouco mais e conseguimos. Era só o que nos faltava...

Culto do novo

Já chega de velharias!
De maltratar corações
De histórias tristes de guerras
Conflitos, revoluções!
Viva o belo e o novo!
Viva o bom, o positivo!
E por mais que eu me engane.
Sim, por mais que eu me engane
Que se dane o negativo!!!!!

(Um texto do meu querido tio Martinho Medeiros).

Genealogia do Sistema Eleitoral

Grande evento de São João da minha sobrinha. Aquela comida gostosa, músicas festivas, dancinha das crianças, só alegria... E o mestre de cerimônia atualizando sobre a apuração para rei e rainha do milho: "A eleição não acabou! Ainda dá tempo de comprar votos, tudo pode acontecer... Os votos estão à venda no salão ao lado!".

Pedi esclarecimentos, porque havia entendido errado, é claro. Sou meio moco.

Vovó me explicou que é assim mesmo: quem pagar mais elege o filho (moleques de 1 ano e oito meses). O Código Eleitoral chama isso de "abuso do poder econômico", no artigo 237. Eu pensava que a escolha era democrática, por critérios de afinidade, figurino, carisma ou beleza estética. Que graça tem isso? A eleição é do rei do milho ou do pai mais endinheirado? Essa disputa coroa quem, na verdade? É o "rei mal coroado", parafraseando Geraldo Azevedo.

Vovó disse que sempre foi assim, eu que não sabia. Quando era moça, no sítio, a filha do usineiro ganhava todas as vezes. Podia esperar. Depois retificou: "na verdade, era a filha da amante dele". Não tenho nada haver com isso, mas entendi como um prêmio de consolação...

O fato é que desde muito cedo, aprendemos direitinho como as coisas funcionam. Belo ensinamento: de rei do milho à presidente de sala, do DCE; de vereador à deputado, sonhando em "barganhar" a presidência da república...

lições de pai, lições de vida...

Essa história dá um filme:

Logo quando meu pai se separou, comprou um Monza, com vidro elétrico e ar condicionado. Naquele tempo, isso era "a cara da riqueza". Fiquei muito surpreso e confuso, porque, até então, só o via dirigindo uma F-1000 velha e uma Kombi caída aos pedaços. Pois é: vida nova, carro novo! Decidi não questionar a aquisição, que veio somente depois que não mais morava com a gente... Preferi desfrutar sem ressentimentos.

Eufórico na minha primeira viagem de luxo, segurei a emoção, como se aquilo fosse comum para mim. Ou melhor, segurei até certo ponto, porque, nas mediações do Grupamento de Engenharia, na Av. Epitácio Pessoa, não aguentei e falei:

   - Painho, o Monza é bom demais, né?

Eu já sabia o que iria me dizer: que isto era fruto do seu trabalho, e que um dia eu também poderia conquistar tudo isso e muito mais, desde que eu também me dedicasse aos estudos, para conseguir um bom emprego, etc. Passaria a mão na minha cabeça e eu seguiria feliz...

Nada disso. Imediatamente me olhou com uma cara educada de estranhamento e respondeu sem demora:

   - Mas isso não vale nada, meu filho. A gente precisa estar preparado para andar de carro ou de ônibus...

Fiquei intimamente frustrado e um pouco aborrecido. Queria um incentivo naquele momento. Ele foi "politicamente correto" (um sinônimo que arranjamos para "falsidade"). No entanto,  confesso que achei admirável a reflexão. Pensei um pouco e finalizei:

   - É mesmo, né, painho?

Você já sabe que o mundo dá voltas e que a vida é uma montanha russa. Em dez anos tudo muda completamente: colecionou outras separações e fracasso nos negócios... Retorna, falido, para a casa da minha avó, como quando criança...

Mais adiante me encontro numa parada de ônibus esperando o saudoso "511 Tambaú", na Av. Epitácio Pessoa, nas mediações do Grupamento de Engenharia. Eu e meu pai.

De repente, o flashback da conversa do carro, que eu já havia esquecido... Certamente, ele estava muito preocupado com muitas coisas. Disfarçadamente desesperado, talvez. Mas não parecia envergonhado ou constrangido em pegar busu. Sentia-me mais desconsertado do que ele, que até se divertia com isto.

Contei a história, mas ele não lembrou, mesmo assim.

Confirmei, naquela hora, que meu pai fora sincero, lá atrás, na vida de príncipe...

Disse isso a ele, e disse com orgulho.

Face à Face

Veja essa história:

Um colega da minha esposa organizou, com todo o entusiasmo, um encontro de seus amigos do Facebook, em uma pizzaria da cidade. Divulgou, convidou e mobilizou as massas... Quase trinta pessoas confirmaram presença, e outros tantos não descartaram a possibilidade de aparecer por lá... Foram dois meses de trabalho diário e virtual, gerando aquela ótima ansiedade de reunir pessoas "Face à Face", aprofundando as relações. Era apenas a primeira de muitas confraternizações que viriam. Já imaginava as pessoas sorrindo, aquela conversa em alto volume, gargalhadas, beijos e abraços... E viva o Face!

Metodicamente, reservou com antecedência trinta lugares no restaurante, causando euforia na administração. Tudo estava pronto e o dia, finalmente, chegara! Levou sua esposa, uma cunhada e ainda deu carona a uma amiga. Fez questão de chegar cedo, para recepcionar os convidados. Tudo deveria sair perfeito, para causar boa impressão.

Seis e meia da noite aparecem os quatro e se acomodam numa grande mesa de uns dez metros de comprimento, formada pela união de outras quinze mesas normais, unidas lado a lado, como se estivessem de mãos dadas, fazendo uma grande corrente da alegria, colaborando com a festa!

   - Agora vamos aguardar...

   - O atraso é normal, sempre acontece...

Não é invenção: às nove e meia decidiram pedir o rodízio, convencidos de que ninguém mais chegaria, além deles mesmos...

De meia em meia hora, a esposa dizia: esses teus amigos do Facebook, hein?...
De meia em meia hora, ele dizia: sacanagem, eles confirmaram...
De meia em meia hora: meio minuto de silêncio...

Comeram e comeram muito. Lotaram-se de massa, para compensar o desperdício de mesas, cadeiras e espaço no recinto...

Saciado pelo pão e enebriado pelo vinho, na hora da saída, o insistente rapaz ainda reluta:

   - Não vou desistir! Marcarei outro encontro até as pessoas aparecerem. O próximo vai ser numa churrascaria...

Começando pelo Fim

Estou tendo a oportunidade de estudar Inglês e Espanhol, depois de muito tempo. Estou motivado, querendo aprender a me comunicar, entender e fazer-me entender em outra língua. Estou curioso, interessado e tudo o mais. Matriculei-me nos estágios iniciais, compatíveis com a minha fluência quase zero dos idiomas. Nem Português eu sei falar direito.

Às vezes me acho muito crítico com relação à Educação, mas não consigo me calar, porque esses assuntos me atacam os nervos. É porque algumas coisas não me entram na cabeça... Triste de mim. Faço parte daquele grupo, que me parece numeroso, de pessoas que tem dificuldade e timidez para soltar a voz, arriscar, errar, até finalmente aprender a falar em línguas estranhas. Faço parte do grupo que abandona os cursos, porque não se adapta. Me uno a essas pessoas. Desta vez vou continuar, porque é caso de necessidade mesmo. Não tenho escolha. Sei que vou aprender, mas estou convicto de que o farei da forma errada, de um jeito mais difícil.

Mal sei falar e já estão me empurrando a Gramática estrangeira goela à baixo, declamando aquelas conjugações verbais sem fim, num decoreba martirizante... Tempos verbais, imperativo e o escambal. Aprendemos na mara! Este é o método.

Penso que o desenvolvimento de uma linguagem deve se dar naturalmente, mais com o coração do que com o cérebro, como ocorre com as crianças, em suas línguas nativas. Como aprendemos o português? Primeiro ouvimos e entendemos. Depois soltamos a voz, repetindo os nossos cuidadores. Em seguida aprendemos a ler para, ao final, escrevermos. E a gramática? Esses detalhes vêm depois, quando já adquirimos uma fluência razoável.

Antes de conjugar verbos eu quero me comunicar, compreender e ser compreendido! Não posso me obrigar a começar já falando certo, sendo corrigido o tempo todo. Isso bloqueia o aprendiz. Quero ser capaz de me expressar em outra língua, soltando a voz sem reservas - como uma criança -, mesmo que não seja da forma mais correta, privilegiando, sobretudo, a "comunicação". Quero me animar primeiro para, a partir daí, lapidar o idioma, enriquecer o vocabulário, aprofundar as regras e exceções.

Estou nos primeiros estágios martelando a gramática. Outro dia conversei com um aluno concluinte. Perguntei o que se estuda no final do curso e ele me respondeu que é só conversação. Que não vê mais gramática, nada disso. Achei uma contradição... Fiquei confuso. Seria mais coerente que eu estivesse praticando o diálogo, e que ele estivesse aprofundando o idioma detalhando a gramática...

Tive a sensação de que estou começando pelo fim...