Até com as pedras

Não poderia um animal amar. Pensar, ter sentimentos altruístas, possuir subjetividade... Aliás, somente o homem, porque "o homem é um animal racional". Portanto todos os outros, todos os outros seres viventes são irracionais, não passam de um adereço, um fantoche movido fisiologicamente pelos instintos... Na linguagem de hoje, um zumbi. Ou um automóvel, que, engatada a marcha ré, não tem como andar pra frente... Foi isso que a escola me ensinou: esse racionalismo limitado, essa ciência egocêntrica e petulante.

Amar um animal seria então ridículo! Coisa de gente limitada e carente, quase irracional, que quer se nivelar por baixo... Como me parecia ridículo chamar animais de filhos... Isso sinalizava para mim uma psicopatologia meio grave. Amor é troca, e não haveria troca sincera com um animal. Animal não tem sinceridade, não tem autonomia, mas instintos e condicionamentos. Condicionamentos condicionados pelo homem. O animal não se alegra simplesmente porque você chegou, mas porque vai receber comida. Esqueceu que, quando você chega, sempre dá comida? Tudo me parecia racionalmente bem explicado.

E, racionalmente, precisávamos de alguma coisa. Uma coisa para nos fazer companhia. Para fazer barulho quando estivéssemos sozinhos. Alguma coisa que nos desse responsabilidades, compromissos, algo que nos treinasse para alguém, que seria o futuro filho. Pois bem, compramos uma coisa, um shih tzu, e recebemos um amor... Amor gratuito... Como sou grato, quando a vida me desconstrói, para reconstruir de novo, modificado e melhor.

Já se foi um ano de vivo amor e dez meses de convivência... Amor maravilhosamente ridículo. Amor indescritivelmente recíproco. Amor mais sincero do que com a maioria dos homens. Amor inteligente e tolo, eufórico e preguiçoso, rebelde e obediente, alegre e triste, porque ele chora. De desgosto, de tédio, de bronca, de chuveiro... Às vezes eu engano ele, mas nem sempre. Ele me vence também. Ele é Eros e ele é alguém. Purinho. Todinho.

Nunca o bati, como minha mãe nunca me bateu. Choro em pensar que um dia não estará mais comigo (do jeito que a gente faz quando pensa no filho). E ainda assim choraria, pelo mesmo motivo, se ele vivesse duzentos anos... Acho que estou quase pronto para o segundo filho...

Amá-lo é humano; ser amado por ele é divino, porque o amor é verdadeiro até com as pedras, acredite. Até com as pedras...

E, sabe de uma coisa? Hoje ele vai comer leite moça.