Carta aos "maiarianos"


É freqüente um grupo social mais privilegiado sentir-se superior, enquanto pessoa, e subjugar outros preteridos. Pode não ser regra, mas encontramos cidadãos da capital achando-se mais que os do interior; pessoas do sul e sudeste, em relação às do norte e nordeste; ricos em relação a pobres... Tem gente que acha que a miséria africana deve-se a inferioridade de seu povo, que por isso não consegue desenvolver-se como os brancos, civilizados... Desculpem-me, não é porque sou paraibano, mas isto é ignorância.

Sou convicto de que as pessoas, de uma maneira geral, são dotadas de potencialidades semelhantes. Precisam apenas desenvolvê-las; precisam mesmo é de oportunidades. O problema não é o pobre, é a pobreza; não é o analfabeto, é o analfabetismo; não é o ignorante, é a ignorância...

Há alguns anos, hospedei-me em casa de pernambucanos e lá fui vítima de comentários ofensivos à Paraíba. Como não reagi nem demonstrei irritação, penso que eles cansaram, pois, ao final da minha estadia, reconheceram as maravilhas da minha capital, que, a pesar de ser muito menos desenvolvida culturalmente e economicamente do que o Recife, possui as virtudes de uma cidade litorânea de médio porte. Confessaram inclusive o interesse em morar em João Pessoa. Fiquei confuso...

Lembrei-me dos pessoenses que denigrem outros paraibanos, por estes não serem da capital, por suas cidades serem menos desenvolvidas, por não existir praia aonde moram, por serem negros ou pobres ou analfabetos... Lembrei que, ao mesmo tempo em que somos humilhados por uns, humilhamos outros...

O que seria de nós se os norte-americanos decidissem acabar com os latino-americanos, porque discordam de suas escolhas? Já vi pessoas (até professor) considerarem que, atirar bombas nas favelas do Rio (ou os matarem em massa de qualquer outra forma) seria solução no combate à violência e criminalidade deste centro... Eles não eram da favela..., se fossem, certamente encontrariam outras soluções menos primitivas, mais humanas...

Pesquisando e fazendo as contas de adição e subtração, vi que:

   - desconsiderando os votos do nordeste, Dilma seria eleita com uma diferença de 1.319.934 (um milhão, trezentos e dezenove mil, novecentos e trinta e quatro) votos;

   - excluindo a votação do norte, ela também seria eleita com 11.008.131 (onze milhões, oito mil, cento e trinta e um) votos a mais;

   - não contabilizando norte e nordeste, simultaneamente, ainda assim nada mudaria;

   - Dilma venceu até no sudeste, com vantagem de 1.630.604 (um milhão, seiscentos e trinta mil, seiscentos e quatro) votos.

Pergunto aos maiarianos: querem afogar também os mineiros e cariocas?

Cidadania e democracia é o que falta.

Quem quer dinheiro?!

  – Eu, Sílvio!

Muitos dizem que o ramo do direito é ótimo para ganhar dinheiro. E é verdade. Os altos salários dos Tribunais não me deixam mentir: superam os quatro mil reais para cargos de nível médio. Nada mal, não é mesmo?

Procurei o direito principalmente por isso. Pela estabilidade do cargo público e pelo dinheiro. Não diferente da maioria. Afinal de contas, queremos construir uma família e proporcionar-lhe boas condições de vida. E isto não é nada barato.

No entanto toda atividade tem sua relevante função social. Mais do que a estrita aplicação da lei, o direito existe para que justiça seja feita. Antes de ser um meio de vida, é um meio para alcançarmos a justiça, que é o seu fim. Quando o direito faz justiça, cumpre o seu papel; quando não o faz, fracassa.

A administração da justiça é difícil: Poder Judiciário, Ministério Público, OAB... Todos envolvidos em um complexo sistema que visa a defesa do direito e o combate à ilegalidade. O que dizer de um juiz que vende a sua sentença? Ou de um promotor que negocia sua acusação? Ou de um advogado que dá dinheiro a um funcionário a fim de privilegiar uma das partes? Eles atiram pedras contra uma importante estrutura social de administração da justiça, que não pode ruir e deve funcionar bem.

Me lembrei que estes profissionais passaram cinco anos em uma universidade estudando direito. Não questiono seus notáveis conhecimentos jurídicos, mas preciso dizer: de justiça aprenderam pouco; de ética aprenderam muito pouco; de cidadania não aprenderam nada... E isso também se ensina.

A responsabilidade por nossos atos é de nós mesmos. Entretanto uma formação em nível superior que não visa o aprimoramento da cidadania é falha e muito falha. No curso de direito muito se fala de lei, pouco se fala de justiça...

O direito é meio de vida, sim, mas não pode deixar de ser meio de justiça.

Dinheiro eu quero, mas “topa tudo por dinheiro”, vamos com calma, amigo.

"Em terra de sapo, de cóca* com ele"

O professor nos perguntou quem pretendia seguir carreira política. Ninguém se manifestou. Na semana seguinte, ele relembra o fato e diz que os estudantes universitários, elite intelectual da sociedade, especialmente de direito, deveriam se interessar mais pela política, para o bem da própria política, para o bem da sociedade.

Finalmente um aluno falou:

- Professor, o problema é que quem quiser pautar a sua vida pela honestidade não pode entrar na política, porque as coisas são tão corrompidas que você acaba se corrompendo também...

O professor calou-se.

O sistema político é corrompido. Isto é fato. E penso que seja um fato incontestável. Há politicagem na escolha dos candidatos, na campanha eleitoral e no exercício do mandato. Penso que, sendo o sistema corrompido, quem nele está também o seja... O que muda é a gradação: uns são mais, outros menos.

O poeta Jessier Quirino conta que um político, numa campanha eleitoral, inventou de ser sincero, dizendo que iria “trabalhar de terça a quinta e roubar só o normal”...

Penso que a trajetória do político é normalmente feita de “contravenções eleitorais”, que fazem parte do jogo. Quero dizer em termos práticos que se você não barganhar um voto aqui, vem outro ali que o faz, “conquista” o eleitor e se elege. E você, se quiser ser mais correto, será um eterno honesto candidato e nunca um eleito (salvo pontuais exceções que o leitor encontre). É a mais perfeita aplicação do ditado: “em terra de sapo, de cóca* com ele”. Ou você entra na onda ou disputa em considerável desvantagem. É curioso, é triste, mas me parece a pura realidade...

Presencio no interior, onde a miséria e a ignorância são muito maiores, que a regra da disputa é a prática das corriqueiras “contravenções eleitorais”, com a finalidade de “ganhar” (para não dizer comprar) o voto do eleitor. Principalmente nesta região, as pessoas são extremamente dependentes dos governantes e dos políticos, que de fato, em muitos casos, são os que garantem o sustento da família. Para estes marginalizados, está em jogo a sobrevivência e por isso não os condeno. Diante da miséria, que ameaça a própria existência, a lei e a ética tornam-se secundárias... Sem falar da ignorância, que os fazem confiar em qualquer promessa mentirosa e manifestamente eleitoreira.

Não defendo estas práticas; critico o sistema corrompido. Reconheço, contudo, que estamos avançando no campo da moralidade e transparência públicas, na construção da democracia e da cidadania, portanto há esperança! Por outro lado, sem querer ser repetitivo, uma concreta reforma política, sobre a qual tanto se fala, é indispensável e inadiável.

A salvação mesmo é a educação. Ela, além de aprimorar a cidadania, estimulando uma visão crítica da realidade, conduz à melhoria das condições socioeconômicas do indivíduo e sua família, trazendo mais autonomia em relação ao Estado, os governantes e os candidatos, permitindo por sua vez um voto mais consciente e independente.

Não sou idealista; sou realista. Estaria satisfeito se, pelo menos, no que se refere à campanha eleitoral e exercício do mandato, o que o hoje é regra, fosse exceção, e vice-versa. Da maneira que está, não há fiscalização ou Tribunal que dê jeito...

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 * de cóca = de cócoras, acocorado (no vocabulário matuto, nordestino).