Ele me ama.


Hoje vou apresentar uma peça de teatro. É a terceira vez. Ensaiamos durante toda as férias. Estou meio nervosa, mas sei direitinho o que fazer... Jajá vou me maquiar e me preparar para o grande dia, o grande momento. Apesar de ser apenas uma criança, me sinto como gente grande, uma atriz de verdade... Gosto disso.

Meus pais me dão força e sei que tudo vai correr bem. No fim, sempre dá certo... Aliás, meu pai não vai me ver desta vez, porque está muuuuito longe daqui. Ele disse que queria estar presente, mas não vai dar tempo, porque a viagem demora 6 horas... Disse que precisa trabalhar para comprar comida, roupas, pagar a escola, essas coisas. Mesmo assim, fiquei triste... Vamos tirar muitas fotos para mostrar a ele depois. Queria que ele estivesse comigo... O pai das outras meninas vai estar lá, menos o meu...

Ele disse que vai ficar torcendo por mim e eu acredito. Ele disse que me ama. Então porque não está aqui? Melhor não pensar nisso...
...

Tudo pronto, vai começar...
...

Já acabou? Foi fácil. Acho que tenho jeito pra coisa. Queria que o meu pai tivesse visto... Agora vou ao palco cumprimentar a platéia, como fazem as atrizes...

   - Aê, Julia!!!

Oxente, é meu pai, ele veio! Ele veio, não acredito! Ele me ama.

   - Papai, você veio! Eu te amo.
   - Também te amo, filha.

E ainda enxugou minhas lágrimas.

Gênio Indomável

Conheci Ivanildo (chamam Nildinho). Faz a limpeza da repartição. Apresentaram-me como um "viajante", que gosta de conversar sobre filosofia, política, religião ou qualquer coisa que você inventar, é só dá o mote. Mas não sabia que ele iria tão longe.

Tentávamos resolver uma questão de trigonometria, que havia sido cobrada no último concurso para Auditor Fiscal da Receita Federal, quando ele chegou. Por brincadeira, copiamos o enunciado e pedimos que trouxesse resolvido na segunda-feira, já que era esperto. Ele disse que estava estudando mesmo trigonometria atualmente... Nesse tempo, descobrimos uma fórmula estrambólica e difícil de decorar que resolvia diretamente o problema, sem arrodeios. Contudo, estava lançado o desafio.

No dia marcado, ele nos entrega um papel, meio amassado, meio rabiscado. Eram os cálculos e a resposta estava... certa. Ficamos tentando entender como ele chegou àquele resultado sem utilizar a fórmula estrambólica. A cena era esta: eu e um colega debruçados sobre a mesa, confusos, e ele varrendo o nosso chão. No mínimo estranho...

Por um instante, achei que deveríamos limpar o chão dele. Por um instante, senti-me digno de um salário mínimo. Vislumbrei alguma injustiça nisso tudo. Em fim, depois de algumas tentativas frustradas, acompanhamos o seu raciocínio, um pouco desconcertados.

Nas semanas seguintes, revisando o assunto, meu colega retomou a questão e os cálculos (havia guardado o pedaço de papel). Pediu-me ajuda novamente e gastamos outros bons minutos lembrando de onde vinham aquelas contas. Desistimos e decidimos esperá-lo para nos socorrer novamente. Insistimos um pouco mais e conseguimos. Era só o que nos faltava...