Juiz das cavernas...

Como vascaíno prudente, evitei escrever a esse respeito, quando tomado pela frustração, raiva e indignação da final do último campeonato carioca, porque certamente o meu discurso não teria qualquer credibilidade. Seria mais uma apelação de perdedor, no meio de tantas outras... No entanto, penso que o contexto da Copa do Mundo seja o cenário ideal para expor a reflexão recalcada de alguns meses, especialmente por causa dos vários e importantes erros de arbitragem, testemunhados ainda nos primeiros jogos, beneficiando injustamente, ao que parece e inclusive, a minha querida Seleção Brasileira...

Não credito os equívocos dos juízes de futebol a fraudes, corrupção ou propina, muito embora saiba que isto ocorra... Baseio minha crítica na regra, não na exceção. O fato é que não podemos esperar grande coisa de alguém que tem a implacável missão de acompanhar, simultaneamente, o que ocorre dentro e fora do gramado, tendo que decidir de imediato, sem tempo para pensar e nem direito a replay, dispondo apenas de alguns amigos - e portanto também falíveis - auxiliares... Tudo parece compreensível se não fosse a tecnologia.

Por que os computadores entraram em todos os lugares do mundo, menos nos campos de futebol? Por que os recursos de imagem auxiliam todo mundo, menos os árbitros? Não há resposta ética para essas indagações... Não há justos argumentos que convençam o cidadão minimamente crítico dessa indecorosa resistência...

Há pelo menos 20 anos acompanhamos cenas patéticas: todo mundo assistindo ao ocorrido - com a precisão de uma calculadora, por vários ângulos e em tempo real - enquanto o único desinformado decide ao contrário de fatos instantaneamente esclarecidos, porque justamente àquele que mais precisa enxergar, não lhe é permitido ver... E o juiz fica por ali, solitariamente desconfiado, apitando ao natural, com cara de palhaço, com fama de ladrão, como se estivéssemos ainda no tempo da pedra lascada...

Não precisamos buscar soluções, pois elas já existem à pleno vapor. Basta aplicá-las e render-se à justiça e à verdade, como fazem o tênis, o vôlei e o futebol americano. No caso do futebol, cada treinador teria direito a, por exemplo, dois "desafios" em cada etapa da partida, para permitir que a tecnologia esclarecesse lances importantes e duvidosos. Isto não demoraria mais que o tempo de uma substituição, cobrança de escanteio ou tiro de meta. Não mais.

Por outro lado...

O futebol, você sabe
É razão e emoção
Um juiz desinformado
Só arranja confusão
E ainda leva, de quebra
Aquilo que mais detesta:
Sua fama de ladrão

E tem mais, camarada
Não fica só nisso, não
Um erro na "hora errada"
E sem direito a perdão
No jogo, na decisão
Causa uma mágoa danada
De partir o coração

E o torcedor apaixonado
Inconformado e descrente
Fica doente, recalcado
Martelando em sua mente
Que tudo seria diferente
Se o computador revelasse
O que ocorreu realmente

Mas a FIFA é indigesta
Insiste na contra mão
Só liga pra lucro e festa
E não sei por qual razão
Se por roubo ou tradição
Não se importa em retirar
O que da regra não presta

O jeito é apelar pra sorte
E pra São Sebastião
Que o juiz veja direito
Que não haja indecisão
Não há muito o que fazer
A nós, só resta torcer
Pro Brasil ser campeão!

Ninguém me cutuca

Gostaria que a gente pensasse mais em como vivemos. Na razão de ser de cada atitude mais elementar do dia a dia. Trata-se de uma espécie de "auto-análise", que faz muito bem e nos ajuda a enfrentar as contradições da vida em sociedade. Não farei comparações com o passado, porque não o experimentei. Deixo esta tarefa para os mais experientes...

Penso que nunca fomos tão exibicionistas como hoje, com essas redes sociais. Este blog reforça a argumentação, já que, se não quisesse "aparecer" com minhas idéias, escreveria em um diário pessoal, trancado a cadeado... Mas algumas coisas perdem o sentido e a autenticidade, especialmente quando se trata das "curtidas" e "comentários" no Instagram, Facebook e etc.

Tenho visto pessoas pedindo a outras para os curtirem nas redes sociais, a fim de que suas publicações façam o máximo de "sucesso" possível... Já vi gente dizendo: "curte, mesmo que não goste, para me ajudar"... Ou melancólico, porque sua foto (dentro do banheiro, no carro ou na academia) não foi "bem curtida"... As pessoas utilizam as redes sociais para pedirem admiração, reconhecimento e atenção nas próprias redes sociais! E não se pensa em outra coisa: todos querem ser artista de televisão, como se isto fosse a melhor referência para a nossa vida...

Não sei se preciso dizer que o virtual jamais conseguirá substituir, à altura, o real. A gente quer fazer sucesso publicamente, porque não o consegue privadamente, com quem está ao nosso lado, nos vendo de verdade... A gente quer "curtidas" - mesmo que falsas - porque talvez não receba um abraço caloroso, uma amizade confiável, um "eu te amo" inocente, um sexo menos performático...

Parece que a gente desistiu de "querer ser". Parece que a gente decidiu "parecer ser"... Tá todo mundo sempre sorrindo, sempre feliz, sempre alto astral, sempre bacana, sempre bonito e arrumado. Só que isso é deprimente, depressivo... Parece que perdemos o rumo de vez... Parece que desistimos de amar... Parece que desacreditamos de nós mesmos e desaprendemos a curtir as coisas boas da vida...

Aprecie com moderação!

IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS.

"MAMA
(Valesca Popozuda e Mr. Catra)

Muita polêmica! Muita confusão! Decidi parar de cantar palavrão,
Então por isso, negão, vou cantar essa canção

Quando eu te vi de patrão, de cordão, de R1 e camisa azul
Logo encharcou minha xota e ali percebi que piscou o meu cu
Eu sei que você já é casado, mas me diz o que fazer
Porque quando a piroca tem dona é que vem a vontade de fuder

Então mama, pega no meu grelo e mama
Me chama de piranha na cama
Minha xota quer gozar, quero dar, quero te dar

Quando eu te vi no portão, de trancinha, tamanco e vestido azul
Logo latejou o meu pau e ali logo vi que piscou o seu cu
Puxei sua calcinha de lado e dei três cuspidas pro meu pau entrar
Então eu fiquei assustado, porque você só queria mamar

Então mama, pega minha vara e mama
Vem deitar na minha cama".

...

Perdoe-me! Não conseguiria apresentar o tema em discussão, sem mostrar a letra na sua íntegra, já que a intensidade, neste caso, é relevante. Mas não se apavore. Esta é apenas uma única canção, de uma única banda, de um único gênero musical, dentre incontáveis outros semelhantes que bombam entre nós... Seja nacional ou internacional, do nordeste ou do sudeste, na periferia ou nas baladas mais elitizadas.

De alguns anos pra cá, tenho tentado fugir aos moralismos e à hipocrisia. Gosto de sexo e quem me conhece sabe que também consumo conteúdos musicais (e não musicais) desta natureza. Mas é que "a diferença do remédio para o veneno está na dose"...

Não me atemoriza a existência desta música, deste CD, deste grupo musical, ou qualquer outro. O que me preocupa é a proporção que esta cultura representa no consciente coletivo de toda uma geração - especialmente de crianças e adolescentes - que estão se formando... Em muitas e muitas localidades espalhadas por todo o país, milhares e milhares de pessoas nascem, crescem, reproduzem (bastante) e morrem, sob a incansável overdose destes ensinamentos, condicionando, forte e inevitavelmente, a sua visão de mundo, de gente, de valores; suas escolhas, seu comportamento...

Defendo a liberdade - sexual e de expressão -, porque são manifestações naturais do ser humano e imprescindíveis à sua felicidade. Mas até a liberdade - principalmente ela - precisa ser desfrutada com racionalidade, responsabilidade e ética. A liberdade também pode contraditoriamente oprimir, aprisionar e escravizar, dependendo do uso que dela se faça. Uma caneta pode servir ao poeta, como ao assassino... É uma questão de adequação.

Não é a censura, a lei ou o decreto; nem a hostilidade, a discriminação ou a violência que mudarão essas coisas... Absolutamente. A vida é muito mais e muito maior que tudo isso. Só que apenas alguns tem acesso ao melhor que ela nos oferece. Somente a alguns é permitido apreciar e desfrutar da imensurável beleza que existe fora da caverna.

Quando assisti na TV a funkeira fazer sua performance, no programa de Ana Maria Braga, pensei que Rubem Alves, Adélia Prado, Leonardo Boff ou Frederico Mattos também poderiam tomar café com ela... Por que não?

Talento


Permitam-me puxar o saco da família (todos têm esse direito). Não faltam histórias para atestar a elevada capacidade intelectual do meu irmão Vinícius, colocando-o sobre as maiores médias. Das várias narrativas que me chegam de vez em quando, uma escapou ao ordinário.

Terceiro ano do ensino médio e a ansiedade preocupava naturalmente os vestibulandos da turma. Os novos conteúdos ministrados pelos professores, de difícil compreensão, só piorava a situação. Meu irmão, com seu jeito atento e distraído ao mesmo tempo, depois de ocupar a aula descontraindo com os colegas, divertia-se de vez em quando no quadro-negro, na hora do intervalo, explicando os assuntos ao seu modo: certamente de forma fácil e direta, com linguagem acessível, disfarçando o rigor complicado do método científico, ao qual os professores deviam obediência...

O evento caiu nas graças do povo, atraindo mais pessoas e repetindo-se com maior frequência. Seu talento, que misturava genialidade e simplicidade, enchia de gratidão e admiração o espírito dos alunos que aprendiam com ele. Quando perguntavam como poderia saber tudo aquilo, já que havia conversado a aula inteira, respondia humildemente: "eu estudo muito em casa".

A confiança nele crescera tanto, que alguns desistiram de certos professores, contando com o seu socorro na hora do lanche. A coisa tomou maiores proporções, fazendo com que, espontaneamente a turma providenciasse um abaixo-assinado, requerendo-o como professor regular... A direção ficou numa situação constrangedora, sendo obrigada a responder o óbvio: que ele não poderia atuar como professor, porque não era formado - afinal de contas, possuía apenas o ensino médio incompleto...

De fato, durante a minha infância, também explorei seus conhecimentos. Gostava de ensinar de tudo, o danado, até os afazeres mais elementares... Observava muito, refletia bastante e chegava a conclusões próprias, sempre convincentes. Lamento ter abandonado sua vocação, com a faculdade e o trabalho. Mas, não sei não, acho que ainda dá tempo de investir na carreira...

Tô com medo.

Tô com medo. Do futuro. Do Brasil. Tenho feito algumas reflexões, que me levou a perspectivas preocupantes. Talvez não faça sentido, mas tenho compartilhado algumas loucuras neste espaço, e sem ressentimentos. Uma "nova" manifestação ideológica está sendo gestada no país e poderá eclodir em dez ou vinte anos. Vou explicar.

A redemocratização do Brasil e todo o processo político de combate à ditadura nos anos 80, a efervescência do movimento sindical, a criação do PT, lançaram sementes para o nascimento de uma nova geração de inclinação socialista, que haveria de se formar na década seguinte. Nos anos 90, as coisas continuaram e se desenvolveram progressivamente: o crescimento do PT, a visibilidade dos Direitos Humanos, a encantadora Teologia da Libertação, a intelectual colaboração acadêmica, o desgaste do governo FHC, consolidaram os novos socialistas de um novo tempo, cheios de esperança com a eleição de Lula.

Mas doze anos conseguem desgastar qualquer governo. O evento histórico do mensalão, o aumento da insegurança, a contestação aos Direitos Humanos, as assombrosas manifestações sem precedentes, deixaram uma parcela da juventude carente de uma oposição que praticamente não existia. E um importantíssimo ingrediente apimentou a relação: o orgulho gay mexeu com quem estava quieto, trazendo para a disputa a numerosa e coesa comunidade evangélica, conquistando, pouco a pouco, também, os católicos. Isto fará toda a diferença...

Vamos combinar que a juventude no Brasil é, em geral, despolitizada e desinteressada. O pouco que se encontrava, formavam aos grupos de esquerda, taxados de radicais e alienados. Mas a coisa está mudando, amigo. Se faltava conteúdo à oposição, o professor Olavo de Carvalho oferece. Ministrando seu curso de filosofia online a milhares de jovens em todo o país, com duração de cinco anos, ele tem arrebatado incontáveis discípulos fiéis, encantados com a sua eloquência e convicção, para a formação de uma militância declaradamente de direita (e quanto mais direita, melhor). Pastor Silas Malafaia, Padre Paulo Ricardo, Rachel Sheherazade, Lobão e tantos outros lubrificam a engrenagem dessa engenhosa roda gigante ideológica, sempre catalizada, é claro, pelas redes sociais.

Quanto aos novos esclarecimentos liberais, apoio. Nada deve ser tão verdadeiro e certo, que não mereça contraditório. Só que, se por um lado, "quando um não quer, dois não brigam", por outro, quando os dois querem, não há quem empate... Aliás, empate é justamente o que eles não querem, pois só a vitória os interessa. No seu tempo, com a mais consciente boa-fé, lutarão enfurecidamente, cada um pela sua vitória. A qualquer custo e até as últimas consequências...

Olhando para o futuro, sigo meio amedrontado. Adotando esse perfil moderado, xôxo, que não agrada a ninguém.

Em transição...

Os idosos lembram nostalgicamente das coisas como eram no seu tempo. O que se fazia, o que não se fazia, o que existia e o que não existia... Muita coisa caiu em desuso e muitas outras coisas ergueram-se em uso (para cair depois, mas só depois). Talvez por causa da velocidade tecnológica - que atropela a cronológica -, a minha geração dos trinta (um pouco mais ou um pouco menos) já começa a olhar para trás, sentindo-se ultrapassada...

Vivemos no antes e no depois desta muito bem definida "revolução da informação ou da comunicação". Experimentamos, no auge da nossa mocidade, o miolo destas tão significativas transformações, que marcarão para sempre a história e afetaram sensivelmente o dia-a-dia dos grupos humanos de todas as classes sociais - o cidadão da periferia frequenta a lan house e também adquiriu o seu smartphone. Mudaram-se os padrões, mudou-se o paradigma.

Não há referências nem modelos. Não somos os mesmos nem vivemos como os nossos pais (em certo sentido, é claro)... Inauguramos um novo jeito de fazer, de viver e de pensar, compulsoriamente afetados pelo turbilhão de informações eletrônicas e tecnologia galopante. Recebemos as novas influências, mas ainda fincamos a memória no passado da nossa velha infância. Somos ao mesmo tempo uma coisa e outra, correndo o risco de não ser nem uma coisa e nem outra... Ainda brincávamos nas ruas, ainda conversávamos com os vizinhos, ainda escrevíamos cartas...

Porém, deixo para o final aquilo que talvez me pareça mais perturbador. Vimos cair o muro de Berlim. Isto significa que ainda o vimos de pé. Ainda herdamos esta concepção dual das coisas, do capitalismo x socialismo, céu x inferno, nacional x internacional, homem x mulher, igual x diferente... Nossa mente ainda se vê agarrada nessas coisas, cujo conceito não traduz os novos paradigmas. Somos incapazes de pensar livremente para além de tudo isso...

Esta geração cumpriu com mérito o seu papel. Fez a transição e nada mais. As soluções, as saídas, os caminhos; estes ficarão para os nossos filhos...

Para não dizer que não falei com flores...

Recebemos uma plantinha, que fora distribuída a algumas pessoas da família. Era pequena, num vaso ainda menor, para decoração de mesa, talvez. Minha esposa comprometeu-se a regá-la, só que ao fazê-lo, conversava com o vegetal, oferecendo-lhe palavras carinhosas...

Muito esquisito. Fui ensinado a falar somente para quem tem ouvidos. Mentira!, porque nem com os animais estabeleci este tipo de interação. Me restringi a gente mesmo, e nem todas... "Dizem que ajuda", justificava ela, convidando-me para aquela cena bizarra... Balbuciei uma ou no máximo duas palavras quaisquer, por insistência, e me retraí, porque aquilo era ridículo.

A plantinha nos chegou murcha, meio morta (se é que isso existe). Mas começou a revigorar. A reagir e botar flores, que sinceramente não cabiam para tão poucos galhos... Alegrou a mesa, a sala, a casa. Alegrou as paredes e as pessoas... Alegrou o espírito. Creditou-se o sucesso ao diálogo, já que os outros regaram, mas só a nossa vingara àquela altura.

Pensei como a gente é seletivo e comedido para o afeto... A gente dá amor, como quem dá dinheiro: fazendo cálculos. Como se isso fosse diminuir a economia da nossa alma, para favorecer a de terceiros (como uma transferência bancária entre corações da mesma espécie)... A gente ama como investimento: para receber depois, uma herança, uma pensão, nem que seja uma caixa de remédio das mãos dos filhos crescidos...

Parece que amar não segue a lógica da matemática - ou talvez lógica nenhuma. Porque dar, neste caso, não revela subtração, mas multiplicação, como a das flores, como a do pão... É ver para crer!

As preocupações do dia-a-dia nos fizeram esquecer da plantinha, que murchou de novo - murchou que faz pena. Só que, desta vez, sou eu quem vai cuidar dela. Vou conversar, mas em segredo, porque preciso conservar a minha reputação racionalista.

Tatinga...

Me dou muito bem com minha sobrinha. Construímos uma amizade sincera desde os seus primeiros meses de vida. Acompanhei tudo, só não a dei de mamar... Ela sempre me recebe com euforia em sua casa e geralmente brincamos um pouco - de qualquer coisa, em qualquer lugar. Mal fala, mas já sabe habilidosamente o que quer (e especialmente o que não quer).

Numa dessas estávamos no sofá, meio confusos, sem criatividade, procurando o que fazer, até que eu executei a primeira ideia que me veio a cabeça: assoprar. Soprei os olhos dela (de leve), causando aquela inquietação natural, mas fazendo-a rir... Ela revidou. E ficamos assim, lá e lô.

Com o tempo, ela foi se irritando e pedindo pra parar, divertindo-me ainda mais. Claro que continuei, sendo que agora com mais entusiasmo. Ela foi meio que se desesperando, me empurrando, virando o meu rosto, dando tapas, jogando como pôde... A coisa começou a ficar sem graça, até que eu parei (um pouco constrangido).

A mãe e a tia cuidadosas, porém intrometidas, perguntaram o que havia ocorrido, quando ela ingenuamente esclareceu, para não deixar dúvidas:

   - Tatinga...

E abanou as narinas com sua mãozinha direita, reforçando com uma bela e convincente careta.