lições de pai, lições de vida...

Essa história dá um filme:

Logo quando meu pai se separou, comprou um Monza, com vidro elétrico e ar condicionado. Naquele tempo, isso era "a cara da riqueza". Fiquei muito surpreso e confuso, porque, até então, só o via dirigindo uma F-1000 velha e uma Kombi caída aos pedaços. Pois é: vida nova, carro novo! Decidi não questionar a aquisição, que veio somente depois que não mais morava com a gente... Preferi desfrutar sem ressentimentos.

Eufórico na minha primeira viagem de luxo, segurei a emoção, como se aquilo fosse comum para mim. Ou melhor, segurei até certo ponto, porque, nas mediações do Grupamento de Engenharia, na Av. Epitácio Pessoa, não aguentei e falei:

   - Painho, o Monza é bom demais, né?

Eu já sabia o que iria me dizer: que isto era fruto do seu trabalho, e que um dia eu também poderia conquistar tudo isso e muito mais, desde que eu também me dedicasse aos estudos, para conseguir um bom emprego, etc. Passaria a mão na minha cabeça e eu seguiria feliz...

Nada disso. Imediatamente me olhou com uma cara educada de estranhamento e respondeu sem demora:

   - Mas isso não vale nada, meu filho. A gente precisa estar preparado para andar de carro ou de ônibus...

Fiquei intimamente frustrado e um pouco aborrecido. Queria um incentivo naquele momento. Ele foi "politicamente correto" (um sinônimo que arranjamos para "falsidade"). No entanto,  confesso que achei admirável a reflexão. Pensei um pouco e finalizei:

   - É mesmo, né, painho?

Você já sabe que o mundo dá voltas e que a vida é uma montanha russa. Em dez anos tudo muda completamente: colecionou outras separações e fracasso nos negócios... Retorna, falido, para a casa da minha avó, como quando criança...

Mais adiante me encontro numa parada de ônibus esperando o saudoso "511 Tambaú", na Av. Epitácio Pessoa, nas mediações do Grupamento de Engenharia. Eu e meu pai.

De repente, o flashback da conversa do carro, que eu já havia esquecido... Certamente, ele estava muito preocupado com muitas coisas. Disfarçadamente desesperado, talvez. Mas não parecia envergonhado ou constrangido em pegar busu. Sentia-me mais desconsertado do que ele, que até se divertia com isto.

Contei a história, mas ele não lembrou, mesmo assim.

Confirmei, naquela hora, que meu pai fora sincero, lá atrás, na vida de príncipe...

Disse isso a ele, e disse com orgulho.