Talento


Permitam-me puxar o saco da família (todos têm esse direito). Não faltam histórias para atestar a elevada capacidade intelectual do meu irmão Vinícius, colocando-o sobre as maiores médias. Das várias narrativas que me chegam de vez em quando, uma escapou ao ordinário.

Terceiro ano do ensino médio e a ansiedade preocupava naturalmente os vestibulandos da turma. Os novos conteúdos ministrados pelos professores, de difícil compreensão, só piorava a situação. Meu irmão, com seu jeito atento e distraído ao mesmo tempo, depois de ocupar a aula descontraindo com os colegas, divertia-se de vez em quando no quadro-negro, na hora do intervalo, explicando os assuntos ao seu modo: certamente de forma fácil e direta, com linguagem acessível, disfarçando o rigor complicado do método científico, ao qual os professores deviam obediência...

O evento caiu nas graças do povo, atraindo mais pessoas e repetindo-se com maior frequência. Seu talento, que misturava genialidade e simplicidade, enchia de gratidão e admiração o espírito dos alunos que aprendiam com ele. Quando perguntavam como poderia saber tudo aquilo, já que havia conversado a aula inteira, respondia humildemente: "eu estudo muito em casa".

A confiança nele crescera tanto, que alguns desistiram de certos professores, contando com o seu socorro na hora do lanche. A coisa tomou maiores proporções, fazendo com que, espontaneamente a turma providenciasse um abaixo-assinado, requerendo-o como professor regular... A direção ficou numa situação constrangedora, sendo obrigada a responder o óbvio: que ele não poderia atuar como professor, porque não era formado - afinal de contas, possuía apenas o ensino médio incompleto...

De fato, durante a minha infância, também explorei seus conhecimentos. Gostava de ensinar de tudo, o danado, até os afazeres mais elementares... Observava muito, refletia bastante e chegava a conclusões próprias, sempre convincentes. Lamento ter abandonado sua vocação, com a faculdade e o trabalho. Mas, não sei não, acho que ainda dá tempo de investir na carreira...

Tô com medo.

Tô com medo. Do futuro. Do Brasil. Tenho feito algumas reflexões, que me levou a perspectivas preocupantes. Talvez não faça sentido, mas tenho compartilhado algumas loucuras neste espaço, e sem ressentimentos. Uma "nova" manifestação ideológica está sendo gestada no país e poderá eclodir em dez ou vinte anos. Vou explicar.

A redemocratização do Brasil e todo o processo político de combate à ditadura nos anos 80, a efervescência do movimento sindical, a criação do PT, lançaram sementes para o nascimento de uma nova geração de inclinação socialista, que haveria de se formar na década seguinte. Nos anos 90, as coisas continuaram e se desenvolveram progressivamente: o crescimento do PT, a visibilidade dos Direitos Humanos, a encantadora Teologia da Libertação, a intelectual colaboração acadêmica, o desgaste do governo FHC, consolidaram os novos socialistas de um novo tempo, cheios de esperança com a eleição de Lula.

Mas doze anos conseguem desgastar qualquer governo. O evento histórico do mensalão, o aumento da insegurança, a contestação aos Direitos Humanos, as assombrosas manifestações sem precedentes, deixaram uma parcela da juventude carente de uma oposição que praticamente não existia. E um importantíssimo ingrediente apimentou a relação: o orgulho gay mexeu com quem estava quieto, trazendo para a disputa a numerosa e coesa comunidade evangélica, conquistando, pouco a pouco, também, os católicos. Isto fará toda a diferença...

Vamos combinar que a juventude no Brasil é, em geral, despolitizada e desinteressada. O pouco que se encontrava, formavam aos grupos de esquerda, taxados de radicais e alienados. Mas a coisa está mudando, amigo. Se faltava conteúdo à oposição, o professor Olavo de Carvalho oferece. Ministrando seu curso de filosofia online a milhares de jovens em todo o país, com duração de cinco anos, ele tem arrebatado incontáveis discípulos fiéis, encantados com a sua eloquência e convicção, para a formação de uma militância declaradamente de direita (e quanto mais direita, melhor). Pastor Silas Malafaia, Padre Paulo Ricardo, Rachel Sheherazade, Lobão e tantos outros lubrificam a engrenagem dessa engenhosa roda gigante ideológica, sempre catalizada, é claro, pelas redes sociais.

Quanto aos novos esclarecimentos liberais, apoio. Nada deve ser tão verdadeiro e certo, que não mereça contraditório. Só que, se por um lado, "quando um não quer, dois não brigam", por outro, quando os dois querem, não há quem empate... Aliás, empate é justamente o que eles não querem, pois só a vitória os interessa. No seu tempo, com a mais consciente boa-fé, lutarão enfurecidamente, cada um pela sua vitória. A qualquer custo e até as últimas consequências...

Olhando para o futuro, sigo meio amedrontado. Adotando esse perfil moderado, xôxo, que não agrada a ninguém.