"Em terra de sapo, de cóca* com ele"

O professor nos perguntou quem pretendia seguir carreira política. Ninguém se manifestou. Na semana seguinte, ele relembra o fato e diz que os estudantes universitários, elite intelectual da sociedade, especialmente de direito, deveriam se interessar mais pela política, para o bem da própria política, para o bem da sociedade.

Finalmente um aluno falou:

- Professor, o problema é que quem quiser pautar a sua vida pela honestidade não pode entrar na política, porque as coisas são tão corrompidas que você acaba se corrompendo também...

O professor calou-se.

O sistema político é corrompido. Isto é fato. E penso que seja um fato incontestável. Há politicagem na escolha dos candidatos, na campanha eleitoral e no exercício do mandato. Penso que, sendo o sistema corrompido, quem nele está também o seja... O que muda é a gradação: uns são mais, outros menos.

O poeta Jessier Quirino conta que um político, numa campanha eleitoral, inventou de ser sincero, dizendo que iria “trabalhar de terça a quinta e roubar só o normal”...

Penso que a trajetória do político é normalmente feita de “contravenções eleitorais”, que fazem parte do jogo. Quero dizer em termos práticos que se você não barganhar um voto aqui, vem outro ali que o faz, “conquista” o eleitor e se elege. E você, se quiser ser mais correto, será um eterno honesto candidato e nunca um eleito (salvo pontuais exceções que o leitor encontre). É a mais perfeita aplicação do ditado: “em terra de sapo, de cóca* com ele”. Ou você entra na onda ou disputa em considerável desvantagem. É curioso, é triste, mas me parece a pura realidade...

Presencio no interior, onde a miséria e a ignorância são muito maiores, que a regra da disputa é a prática das corriqueiras “contravenções eleitorais”, com a finalidade de “ganhar” (para não dizer comprar) o voto do eleitor. Principalmente nesta região, as pessoas são extremamente dependentes dos governantes e dos políticos, que de fato, em muitos casos, são os que garantem o sustento da família. Para estes marginalizados, está em jogo a sobrevivência e por isso não os condeno. Diante da miséria, que ameaça a própria existência, a lei e a ética tornam-se secundárias... Sem falar da ignorância, que os fazem confiar em qualquer promessa mentirosa e manifestamente eleitoreira.

Não defendo estas práticas; critico o sistema corrompido. Reconheço, contudo, que estamos avançando no campo da moralidade e transparência públicas, na construção da democracia e da cidadania, portanto há esperança! Por outro lado, sem querer ser repetitivo, uma concreta reforma política, sobre a qual tanto se fala, é indispensável e inadiável.

A salvação mesmo é a educação. Ela, além de aprimorar a cidadania, estimulando uma visão crítica da realidade, conduz à melhoria das condições socioeconômicas do indivíduo e sua família, trazendo mais autonomia em relação ao Estado, os governantes e os candidatos, permitindo por sua vez um voto mais consciente e independente.

Não sou idealista; sou realista. Estaria satisfeito se, pelo menos, no que se refere à campanha eleitoral e exercício do mandato, o que o hoje é regra, fosse exceção, e vice-versa. Da maneira que está, não há fiscalização ou Tribunal que dê jeito...

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 * de cóca = de cócoras, acocorado (no vocabulário matuto, nordestino).

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