Pobre de marré-marré!

Conversando com um amigo ontem, despertou-me um sentimento antigo, o qual vou compartilhar com vocês.

É sobre essa tese religiosa-cristã, de acordo com a qual a fé, o comprometimento religioso e a vida santa proporcionarão benefícios da parte de Deus, traduzido na forma de trabalho, dinheiro, até mesmo carro e casa. Muitos levantam essa bandeira. É a chamada "teologia da prosperidade", que você certamente já conhece.

Mas, por favor, deixe-me fazer uma reflexão. Pense comigo.

Jesus é o centro e maior referência da fé e da doutrina cristã. Veja a sua vida. Nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre. Nasceu sem dignidade, fugido, no meio de animais, como bicho, "porque não havia outro lugar"... Durante a vida, chorou, sofreu e agonizou; "não tinha onde reclinar a cabeça". E morreu também sem dignidade, torturado numa cruz, seminu, como um malfeitor, trocado por um bandido da pior espécie.

Sua morte foi semelhante ao que meu avô fazia com os cabritos na sua casa: pendurava o bode num pedaço de pau, perfurava a jugular e esperava a morte vir aos poucos, agonizadamente... Terrível! E os seus maiores seguidores também não tiveram vida fácil. Pesquise.

Sugiro outros questionamentos. Jesus obrou muito milagres. Dentre eles, alguma recompensa material? Desconheço. Nunca ouvi falar que Jesus distribuía trabalho, moradia, riquezas ou conforto... Pelo contrário: "quem quiser me seguir, pegue a sua cruz e siga-me". Me parece justamente o oposto de tudo isso. Os valores de Cristo não são materiais, mas espirituais, porque, apesar de ser rei, "o seu reino não é deste mundo".

Acho super positivo buscarmos ascensão social, bons empregos, altos cargos, uma vida confortável, desde que seja por esforço e mérito, e não com trapaças. Corra atrás de dinheiro aí, que eu corro atrás de dinheiro aqui, e agradeçamos a Deus por cada conquista. Mas não faça deste seu projeto de vida um plano divino. O Mestre tem certamente outras preocupações com você...

Natal ou Ano Novo?

Fim de ano.
Os dias revestem-se de uma áurea diferente, alegre e solidária. Muitas confraternizações, muitos presentes e muitos banquetes...

São duas datas bem próximas, com comemorações mundiais. A primeira, atrelada a um dos mais marcantes episódios da história cristã, que também se secularizou ao longo do tempo: o menino pobre da manjedoura envelheceu, criou barbas brancas e hoje compra os produtos ofertados promocionalmente nas lojas, presenteando crianças, parentes e amigos, efervescendo o mercado (se não comprar é muito feio). A outra, representa o fechamento de um ciclo, que se reinicia, mentalizado com a melhor das boas intenções.

O leitor já deve ter percebido algum ranço ou ironia nas declarações acima. Me perdoe, é que tenho problemas com datas comemorativas. Não sei porquê, mas tenho mesmo. Não gosto de festejar nem meu aniversário (pode?). Que fique claro: gosto de festas, de sair e passear; não gosto é de "comemorações" (dia disso ou dia daquilo). É diferente. Por isso carrego nessa época uma certa tensão...

Se eu tivesse que responder se gosto mais do Natal ou do Ano Novo, diria que prefiro o fim de semana ao fim de ano. Mas se tivesse que escolher, ficaria com o Ano Novo. E explico o por quê.

O Natal tem um perfil introspectivo, de reflexão e exame de consciência. Momento para repensar os desafetos, as mágoas, o mal que fizemos, o que convenhamos não é lá tão prazeroso, a pesar de bastante necessário...

Já o Ano Novo é tempo de olhar para frente, sem ressentimentos, de pensar em coisas boas, de "deixar a vida me levar"... E eu, que sou traumatizado com o negócio, passo com mais leveza. Mas fica sempre algo estranho no ar...

O "pei" do gado...

Ainda falando dessa história de poluição e etc., nunca me esqueci do que o professor de geografia nos contou no ensino médio, na reta final de preparação para o vestibular. Dizia ele:

   - Quem são os maiores poluidores do Brasil?

As queimadas e os automóveis, essa é mole, manda outra.
Ele responde:

   - Não esquecam: as queimadas, o gado e os automóveis.
   - Hahahahaha... Eu entendi o "gado", comentei com o vizinho.
   - Foi isso que ele disse, respondeu o colega.
   - Pera aí, professor! Por que o "gado"?

Foi quando ouvi uma das explicações sérias mais bizarras da minha vida. Custei a acreditar. Nós temos o maior rebanho bovino do planeta. São centenas de milhares de cabeças-de-gado. Não só de cabeças, mas também de... de... ânus. Isso porque o "pei" do gado é metano puro, altamente poluente. Juntando tudo, são toneladas e mais toneladas de gases emitidos pelas flatulências bovinas... É sério.

Coitado destes ruminantes. Não podem nem peidar...

- Ó, e agora, quem poderá nos defender?!

Não sou técnico no assunto, nem mesmo ambientalista. Vejo as notícias e aos poucos vou me convencendo de que as previsões apocalípticas para o clima e o ecossistema mundiais têm sua razão de ser. Parece que o homem está mesmo destruindo a natureza, o próprio meio em que vive...

Vez por outra me pego pensando nisso. Minha maior preocupação não é com os 150 ou 500 metros de preservação da vegetação à margem dos rios, como discutem os parlamentares e ativistas na elaboração do novo código florestal. Isto é importante e digno de preocupação. Mas penso mesmo é na vida em sociedade. Neste modelo de civilização e desenvolvimento, alicerçado na exploração desmedida dos recursos naturais...

O reflorestamento é importantíssimo, mas as trilhões de folhas de papel produzidas continuamente no mundo inteiro certamente destroem muito mais árvores. E isso com tudo. O caminho parece que é mesmo o do esgotamento das riquezas da mãe terra...

Não consigo vislumbrar um modelo diferente desse que está aí. Quem não idolatra o friozinho do um ar condicionado, liberando aquele gás na atmosfera, que destrói a camada de ozônio? Como imaginar a vida sem as indústrias, que emitem toneladas de gás carbônico na atmosfera? E os veículos? Quanta poluição! Como estará o planeta daqui a cem ou duzentos anos? Não é justo que o homem, tão inteligente, esteja cavando a sepultura da própria humanidade, como um suicida inconsequente...

Agora imagine quando o mundo se reúne para discutir o problema, e os maiores poluidores, a China e os EUA, se recusam a assinar qualquer tratado comprometendo-se efetivamente com a causa? Fazendo de conta que nada existe...

Só me resta dizer:
- Ó, e agora, quem poderá nos defender?!

É preciso uma mudança de paradigma (da qual eu não faço a menor idéia).
Uma mudança de todos. De todos e de cada um...

Dia da sogra

Hoje é o dia da sogra. Apesar de ser comemorado em 28 de abril (por aqueles que têm razões para comemorar), para mim, este é o dia, porque hoje quero falar dela. Não sou muito vinculado a datas comemorativas...

Por sorte, tenho, não somente uma esposa maravilhosa, mas uma sogra admirável. Talvez "sorte" não seja a palavra certa, muito menos merecimento. A culpa é de Jesus - não tenho nada haver com isso (nem quero nutrir inveja de ninguém).

Sou de admirar as pessoas. Como se não bastasse a sua generosidade sem limites e o seu intelecto muito bem trabalhado e eclético, há algo diferente que às vezes percebo e me deixa reflexivo... A dimensão espiritual, alguma coisa metafísica, que não sei explicar.
A nobreza do silêncio, os sentimentos contidos, a sensibilidade apurada, a preocupação maternal... A paz... As convicções íntimas, encravadas... A fé...

Sabemos muito pouco de quase nada. A humildade é o caminho, o resto é vaidade.

Aos que têm sogras-problema, desejo (de coração) paciência e sabedoria.
Aos que têm sogras-solução, não desejo nada; você já foi abençoado.

Marca impressionante

À passos de tartaruga, este blog atingiu a impressionante marca de mil visualizações, das quais umas oitocentas foram minhas (não conta pra ninguém), outras cem foram da minha esposa (obrigado, meu amor, por ouvir os meus apelos), e o restante (e mais surpreendente) com a participação de vocês, ao longo de mais de dois anos e meio de existência deste "diário virtual".

Um dos motivos de eu criar este espaço foi a oportunidade de poder dizer o que penso publicamente, e me posicionar diante dos fatos e dos dilemas da vida, por mais que posteriormente eu possa mudar de idéia, o que certamente não me envergonhará - "prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela venha opinião formada sobre tudo". Se isto ocorrer, o revelarei prontamente, com alegria e racionalidade, neste mesmo batcanal.



Iniciarei, no promissor ano de 2012 (para todos nós), uma série de postagens intituladas "Eu tiro o chapéu", através das quais lançarei juízo de valor sobre vários assuntos (um tanto quanto polêmicos), na esperança de provocá-los de alguma forma - positivo ou negativamente.



Desejo construir valores importantes, dialogar problemas e exercitar a cidadania, o que para tal será indispensável a sua participação através de comentários, ratificando ou, especialmente, contestando minhas opiniões, o que certamente receberei com atenção e dedicação - só deixe minha mãe fora disso.



Mas não falarei apenas de coisas sérias, às vezes umas palhaçadas, às vezes umas bobagens...




No mais,



Muito obrigado!



O espaço é seu e sinta-se à vontade!

O véi seboso

Não sou ator, mas tenho um personagem. Surgiu espontaneamente, das brincadeiras com a minha esposa, que interpreto quando quero provocá-la (todo homem gosta de provocar a sua mulher, não tem jeito). Chama-se: "o véi seboso".

Mas quem é o véi seboso?

   - O véi seboso é idoso, se não, não seria "véi", e sim novo;
   - O véi seboso não é higiênico, se não, não seria seboso, e sim o véi "cheroso";
   - O véi seboso é meio matuto, bronco, rude;
   - O véi seboso fala grosso;
   - O véi seboso é cachaceiro;
   - O véi seboso é raparigueiro;
   - O véi seboso vê a mulher como um objeto, uma carne despersonalizada;
   - O véi seboso gosta de mandar, tem prazer em mandar;
   - O véi seboso gosta de ouvir as músicas:
         . "vou deixar minha casa e vou morar num cabaré";
         . "eu gosto de mamar nos peito da cabritinha"; e
         . "me dê uma surra, uma surra de amor".

   - O véi seboso pensa que é gente.

   - O véi seboso existe.

E você? Conhece algum véi seboso?

É vice-campeão!

Perto do final da partida entre Vasco e Flamengo, a TV mostrou faixas da torcida rubro-negra satirizando o vice-campeonato cruz-maltino... Essa é uma chacota corrente, dirigida aos torcedores vascaínos.

Perder uma final é frustrante, porque joga-se para ganhar. Mas quero aproveitar a oportunidade para criticar essa cultura do 1º lugar... Sinto-me feliz por ver o meu time (sou vascaíno, para quem não sabe) em segundo lugar do Brasil! Isso é realmente um grande feito. Pior do que o segundo, é o terceiro, o quarto, e todo o restante.

Se em tudo o que eu fizesse na vida, fosse o segundo melhor, a minha carreira seria enormemente promissora. A sua não? Imagine: aprovado em segundo lugar no vestibular ou concurso, sub-chefe da sua empresa, ou, até mesmo, vice-presidente da república...

Acho inclusive que o vice também deveria levantar a taça e fazer a volta olímpica no estádio, em grande estilo, ao lado da torcida... O que me envergonha é ver o meu time metido em falcatruas e armações, como na época do lendário Eurico Miranda.

Quero ver minha equipe competitiva, jogando com raça, amor à camisa e à torcida, com espírito de grupo e determinação; de cabeça erguida na vitória, no empate e até mesmo na derrota; com respeito e dignidade. E assim foi o Vasco neste ano. Uma postura que nos ensina alguma coisa e enche o torcedor de orgulho. O que não aceito é a violência dos torcedores intolerantes a frustrações.

Gosto da rivalidade e até mesmo da brincadeira entre os amigos, e por isso vou soltar o meu veneno:
   - Só tem moral para falar do Vasco, o Corinthians (campeão brasileiro) e o Santos (campeão das Américas, quiçá do mundo). O resto vão ter que me engolir... caladinho...

"obrar" em banheiro público

Refiro-me àquele banheiro onde muitos liberam seus excrementos, simultaneamente, no mesmo espaço, compartilhado por pessoas do mesmo sexo, conhecidas ou não, e com divisórias inseguras.

O banheiro que, apesar de ser público, é de uso individual (entra um de cada vez), não tenho problemas, parece que estou em casa. Faço de tudo lá... (não me venha com sua mente pervertida, hum?).

Nunca fui de fazer nem xixi com a porta aberta; fui criado assim. Nem de ficar nu na frente dos irmãos. Cada um tinha seu espaço, seu pudor.

Pois bem, no meu trabalho infelizmente o banheiro é nos moldes do primeiro exemplo. E o que acontece quando o intestino ataca? Não sou daqueles que “segura as pontas” por muito tempo... Às vezes tenho que ir mesmo, para evitar o mal maior. É uma aventura:

Primeiramente, passo bons minutos criando coragem... Quando vejo que a coisa tá feia mesmo, saio apressadamente. Investigo inicialmente qual dos vários banheiros do prédio está com menor movimento. Entro. Quando vejo que tem alguém, lavo as mãos pra tapear e saio. Se não tem, calma. Respiro fundo, observo disfarçadamente os arredores e procuro me convencer de que ninguém entrará ali durante os próximos cinco minutos. Nunca me convenço, mas é o jeito.

Tem vez que eu nem faço "as coisas" direito, só na expectativa de um infeliz entrar. Mas o pior não é isso. O pior é quando sou traído pelo excesso de confiança. Estou feliz, seguro, e de repente um indivíduo da casa do "b-a-r-a-l-h-o" aparece para dividir o momento comigo. O ínfimo ruído dos seus passos é suficiente para me desestabilizar por completo. Neste momento procuro o silêncio profundo, mas percebo que só consigo controlar a boca de cima... Enquanto o “barro comprido” segue o seu destino glorioso, exalando com propriedade sua fragrância e sonorização inconfundíveis, faço movimentos negativos com a cabeça, lamentando que a dignidade da pessoa humana prevista no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal está sendo profundamente violada naquele momento. E sem direito a recurso...

Certa vez, estava eu (naturalmente desconfiado) fazendo o "número 2" no banheiro da escola - em horário de aula, é claro. Quando simplesmente o inspetor vem, coloca a cabeça por cima da porta e me vê, ali, sentado no trono ("até tu, Brutos?"):

   - Desculpa, pensei que era um aluno gaseando aula...

...(Desculpa? Por que? Só porque você subiu aonde não foi chamado pra me conferir "cagando" sobre esta cerâmica oval decorada com pitadas de urina alheia?
Não precisa se desculpar... A final de contas, a coisa mais normal do mundo é bisbilhotar terceiros "cagando" em banheiro público com a porta fechada, não é mesmo?
Mas vem cá autoridade, sem querer ser indelicado, não haveria uma abordagem mais moderna do que essa?)...

   - Tudo bem, respondi timidamente.

"A república dos sem-concurso"

Veja a matéria que foi publicada no jornal de ontem. Tire suas próprias conclusões...

"A cada ano, centenas de milhares de jovens concluem o ensino médio e tentam ingressar no ensino superior a fim de conquistar, pelo seu próprio mérito, um bom posto no mercado de trabalho, seja como empresário, trabalhador da iniciativa privada ou do serviço público. No tocante a esta última possibilidade, está regulamentada pela Constituição Federal - CF, que estabelece a seleção de provas e títulos como única forma de ingresso à condição de servidor efetivo. A opção pelo serviço público é legítima, especialmente em países que optam por um “Estado de Bem-Estar Social”, como aponta nossa carta magna.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, todavia, como resquício dos terríveis anos neoliberais, a participação do emprego público tornou-se pequena no Brasil. O percentual de servidores entre o total de ocupados não alcança os 11%. O Brasil tem menos servidores que todos os parceiros do Mercosul, Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Finlândia e Suécia. Para assegurar o pleno direito à saúde, educação, assistência social, dentre outros, nosso País precisa de mais empregos públicos.
 

Na Paraíba, o acesso ao emprego público em geral viola a CF, pois muitos gestores procuram driblá-la e contratam pessoal sob a forma predominante da prestação de serviço (gerando a figura dos “ps”), sob às vistas do Ministério Público Estadual, que anda silente sobre a questão. As irregularidades começam pela Prefeitura de João Pessoa que, entre 2004 e 2011, manteve o quadro de efetivos praticamente estável, embora tenha aumentado o total de ps’s de 2.329 para 9.316 no mesmo período, um crescimento de 300%. Enquanto isso, o gasto com pessoal que representava em 2003, 48,69% da Receita Corrente Líquida, caiu para 34,41% em 2008. Arrocha-se o salário dos trabalhadores, descumpre-se a lei e enche-se o serviço público de cabos eleitorais, ganhando o salário mínimo. Está aí uma das causas da má qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos da Capital e de outras plagas.

Uma boa iniciativa que tomariam nossos jovens era criar o “Movimento dos Sem Concurso - MSC”, para combater este neoclientelismo e lutar para restaurar a meritocracia como forma de acesso ao emprego público. Quem estudou e investiu numa carreira não pode ficar à mercê da bajulação a políticos para ter acesso ao mercado de trabalho."

Éder Dantas, doutor em educação (não o conheço e não é meu parente).

Mahatma Gandhi

Cresci vendo meu pai admirar algumas personalidades, que eram estampadas em quadros pela casa ou retratados em diversos livros, espalhados pelas estantes do quarto de estudo. Entre eles figuram: Charles Chaplin, Albert Einstein, Che Guevara... Mas acho que nenhum outro foi tão venerado por ele como o “hindu seminu”, Mahatma Gandhi.

Já tinha visto o filme “Gandhi”, quando era muito pequeno e não entendia direito das coisas; mas recentemente tive a oportunidade de assisti-lo de verdade. Dá vontade de contar o filme, mas não vou gastar minhas linhas com isso. Quero relatar apenas um único momento deste, que considero o ápice do enredo. Revela um ensinamento revolucionário de um verdadeiro mestre, o qual me emociona sempre que a cena me vem à memória.

Tendemos a hostilizar o diferente; não queremos nem aproximação. Talvez isso seja uma defesa, que não deva ser alimentada. Devo dizer que é justamente no diferente que pode estar a nossa salvação. Como saber se estamos errados, convivendo apenas com iguais? A aproximação e o diálogo com outros "mundos" e outras "cabeças" podem nos ensinar coisas valiosas. Precisamos ter a coragem de dar uma chance para o novo, para o estranho...

Mas vamos à cena, ou melhor, à história. Depois de os indianos se libertarem da dominação e exploração inglesa, seguindo, até as últimas consequências, os ideais da desobediência pacífica; a religião dividiu aquele povo, deflagrando uma guerra civil entre indianos hindus e indianos muçulmanos. Mahatma Gandhi, profundamente entristecido com a situação, declarou greve de fome até que a paz fosse restabelecida - disposto a morrer pela causa, inclusive.

Passado um tempo, o velho Gandhi, já definhando de fome, recebe a visita de um varão hindu, que chega desesperado:

   - Eu vou para o inferno. Matei uma criança, esmaguei a cabeça dela na parede.
   - Porque? Perguntou Gandhi.
   - Porque mataram meu filho, meu menino. Os muçulmanos mataram meu filho.

Dispara o mestre:
   - Conheço um jeito de escapar do inferno. Encontre uma criança, uma criança cujos pais tenham sido mortos, um menino mais ou menos da mesma idade, e crie-o como se fosse seu. Só esteja certo de que ele seja muçulmano e eduque-o como muçulmano.


O homem cai aos prantos... Acho que ele viu mesmo a salvação.

Como dizia meu pai, com um olhar filosófico: “Mahatma Gandhi...”. E não dizia mais nada.

De vez em quando, umas verdades...

O professor de Direito Eleitoral fez um desabafo ontem na sala. Falávamos de perda de mandato, ações e processos eleitorais, essas coisas... O assunto foi aprofundando, a conversa foi ficando boa, até que ele desembuchou!

Não quero abrir um travessão aqui, porque não sei exatamente como ele falou. Mas disse que tem coisas que só acontecem no Brasil... Disse que não entendia como um desembargador levou um mês para se declarar suspeito no processo que queria (ou quer) a cassação do prefeito de Campina Grande. Quero esclarecer (para quem não sabe) que qualquer juiz pode se declarar suspeito e se afastar do processo (tá na lei). O que ele não entendia era demorar tanto tempo para fazer isso, numa coisa tão importante. E todo mundo esperando...

Outra coisa que ele disse foi a Paraíba ter que esperar vários meses o Ministro do Supremo Tribunal Federal voltar de uma licença médica, para que se viabilizasse a posse de Cássio como senador. É lógico que um ministro pode adoecer, e se isso ocorrer, deve se afastar. O que o deixava com a cara vermelha de indignação é o excelentíssimo não poder ser substituído temporariamente por outro... Por quê não chama outro? Por quê isso é proibido? E se dois ou três pegarem dengue? Vai ficar tudo parado? Sim, vai!

Ele disse mais. Que a teoria que ele ensina (muito bem, por sinal) não tem nada a ver com a prática corrompida da política e do direito lá fora... Que ele não vê a hora de se aposentar para procurar outra coisa pra fazer! Terminado o desabafo, pediu desculpas e encerrou a aula.

Como eu gosto dos reveladores desabafos! De vez em quando, umas verdades... É, sem dúvida, o melhor da aula.

Tenho dito (na verdade, pensado) que aquela aula puramente teórica, desligada da realidade, dos desafios e incoerências, próprios do mundo, é mais uma alienação do que qualquer outra coisa. Se não é para colaborar com a vida em sociedade, pra que serve essa formação? Pra receber o diploma, passar num concurso e ganhar dinheiro? Isso é ótimo (eu quero!), mas, sinceramente..., poderia ser muito mais.

Não quero ser radical nem parecer moralista. Estou sereno, apenas reflexivo. É que tenho visto professores desencantados com o ensino e alunos fugindo da jaula, quero dizer, da aula. E não tiro suas razões. Realmente, eles têm mais o que fazer...

O conhecimento mesmo, transforma, nos engrandece, nos tornando humildes. A mera informação (daquele artigo da lei) nem incomoda, nos ilude, com delírios de grandeza. Serve muito bem para abastecer um indispensável (e pomposo) sistema, que se retroalimenta (com fartura) e não está nem aí pra fome do mundo.

CEA

CEA é o Centro Educacional do Adolescente. Uma instituição que acolhe menores infratores, e por isso mesmo é conhecida por alguns como “o presídio dos adolescentes”. Você sabe que o adolescente não pode ser preso, porque é de menor. Então, quando cometem uma infração grave (homicídio, assalto, tráfico de drogas, etc.), são internados no CEA.

Tive a oportunidade de conhecer o CEA num estágio relâmpago de apenas duas semanas. Mas deu pra sentir o clima daquele lugar: é um presídio. Grades por todos os lados, revistas constantes, segurança permanente, sala de isolamento, dia da visita... já houve até rebeliões, fugas e atentados ali dentro – mataram um por sufocamento. É ou não é um presídio? Quase a totalidade dos internos são usuários de drogas. Boa parte é viciada em crack...



Tenho dito que o sistema prisional é um sistema falido, por uma única razão. A prisão serve para recuperar a pessoa, resgatar a sua dignidade, oferecer oportunidades para a mudança de vida, retirá-lo da marginalidade e trazê-lo à vida social. Pergunto: o presídio cumpre o seu papel? Resposta: não, definitivamente não! Por isso é falido. O que fazer com um garoto de seus 13 anos, inserido no mundo do tráfico, praticando homicídios e assaltos como gente grande? Da mesma forma, precisamos recuperá-lo. No CEA, disseram-me que o índice de reincidência é alto, muitos morrem ao serem postos em liberdade e recuperação mesmo é coisa rara. É ou não é um presídio?



Não sei o que fazer para recuperar alguém que é de outro mundo, diferente do meu e do seu. Um mundo de agressões físicas e psicológicas constantes e muito, muito intensas, a começar de casa, continuando-se pela rua, completando-se na escola... Sem carinho, atenção, respeito... Com fome, pobreza, miséria, ignorância... Fazer o quê com uma pessoa dessa? Esperar o quê de uma pessoa dessa? Família não tem ou, se tem, melhor que não tivesse, pois “melhor sozinho do que mal acompanhado”... O lar é um terreno de violação de direitos, de ofensa à dignidade, de desprezo e brutalidade... Esperar o quê de uma família dessa e sua prole? Infelizmente, o pior.



Nessas horas eu penso que tive sorte em nascer onde nasci. Sorte, a palavra é essa: sorte. Poderia ter nascido em outros lugares, em outras famílias. Poderia ter nascido na Somália, na Etiópia, no Haiti, e em tantos outros lugares, onde não existe nem vida... Isso não é vida. Tenho certeza que eu não seria uma exceção. No lugar destes adolescentes que vi no CEA, com a vida deles, com a família deles, seria exatamente como eles...



Nunca me esqueci do ditado que diz: “para todo problema complexo, existe uma solução simples e errada”. Não tenho nenhuma pretensão de resolver a situação dos adolescentes do CEA. A coisa é séria, o problema é difícil. Se conseguisse, já teria ganhado o Prêmio Nobel da Paz ou seria no mínimo Ministro da Justiça. Contudo, de uma coisa eu tenho certeza: precisamos enfrentar o problema, quebrar a cabeça...



Acredito na força da educação. Lá no CEA eles têm aulas todos os dias. Tive a curiosidade de ver os livros que eles estudam. Quase choro. O de História falava sobre a Fenícia, os Persas, os Gregos... O de Geografia era sobre cartografia, coordenadas geográficas... O de Português eu não vi, mas acho que é Morfologia, substantivos, adjetivos, verbos...



Sinceramente pensei: que utilidade têm estes conhecimentos para esses garotos, que estão lutando pela sobrevivência, para escapar do triste fim? Na minha opinião, de nada serve. O que tem haver o Feudalismo com tudo isso? E os advérbios? Para eles é perda de tempo. Precisamos falar o que eles precisam ouvir, e não o que o currículo exige. O caso é muito especial e por isso precisamos fugir do convencional. Esqueçam as frações impróprias ou os afluentes do Amazonas! Vamos ensinar sobre a vida, a família, a realidade, o sofrimento, as drogas, as perspectivas, as possibilidades, as saídas, as esperanças... Isso é útil e sim necessário! Não resolve por si só, mas ajuda. É o mínimo que a educação pode fazer por eles neste momento... Reprodução dos protozoários não dá!

Ressentimento vascaíno...

Quase que eu ia dormir na quarta-feira. Decidi permanecer na sala de última hora. Assisto jogo de qualquer time, gosto do futebol bem jogado. Mas como típico vascaíno excluo desta lista o Flamengo. Só resisti ao cansaço por causa de Neymar e Ganso. Gosto de Ronaldinho também, mas no Flamengo... perde ponto comigo.

Queria ver um show da dupla (que já é mais brasileira do que santista) e, de quebra, secar o Flamengo (“catimbó da nega preta quero ver perder...”). Fui do céu ao inferno em menos de uma hora.

Assim que ocorria um gol, ia pro quarto atualizar minha esposa (flamenguista) do placar. Quando voltava, já estava desatualizado. Era gol que não acabava mais. Show de Neymar, com um gol pra flamenguista aplaudir. Derrota do Flamengo, maravilha! Era o céu.

Em menos de quinze minutos o Flamengo faz dois gols e perde mais um. E ainda faz o terceiro. E o santos ainda perde um pênalti. Dá pra acreditar? E ainda era o primeiro tempo. Fiquei louco! Não esperava um jogo desses (ninguém esperava). Empate. Era o purgatório.

No segundo tempo, Neymar logo desencanta de novo. Mas aquele Ronaldinho... Aquele Ronaldinho não tem jeito... Brincou de jogar futebol. Fez um gol pra vascaíno aplaudir (que eu só imagino em “rachão”) e ainda fez mais outro no final, no estilo “la Barcelona”... Era o inferno.

Retiro o que disse. Não era o inferno, não. O jogo foi tão bom que, pela primeira vez, gostei do espetáculo, mesmo com a vitória do Flamengo. Valeu a pena dormir mais de meia noite. Mas perfeito mesmo, perfeito mesmo só se fosse 5x4 para o Santos... (hehehehe).

Minhas respeitosas saudações aos rubro-negros!

Esse Flamengo dá um trabalho...

O Delegado Poeta...

O Delegado Reinaldo Lobo, lá de perto de Brasília, inovou e tem o meu aplauso. Fez o relatório de um inquérito policial em forma de poesia, estilo cordel.

“O nosso trabalho é um pouco de idealismo. Apesar de muito árduo, ele é um pouco de fantasia, de você lutar pela reconstrução e pela melhora do mundo. Acho que isso traz muita realização e eu quis transformar isso em arte, daí a idéia da poesia.”

Resultado: foi pego pela Corregedoria... Ô cabra macho!
Veja a pintura:

Já era quase madrugada
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundo

O plantão estava tranqüilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia Militar

Logo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgado

Procura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranqüilão
Estava em uma motocicleta com restrição

A Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situação

O preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupa

Foi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa fé era furada
Se na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreante

Foi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a população

A fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada

Já hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase chará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalho

As diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovar

Resolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia

Assim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão


Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011

Del REINALDO LOBO
63.904-4

Os muros da universidade...

Vejo a universidade como a institucionalização do conhecimento, assim como a igreja é a institucionalização da religião. Entendo também que o conhecimento é tão sagrado como a fé. No entanto, há uma diferença entre os dois: a religião é oferecida a todos, o conhecimento apenas a alguns.

Vejo a igreja abrindo as portas, querendo transmitir a religião, e as pessoas resistindo... Vejo as pessoas querendo receber o conhecimento e a universidade fechando as portas, resistindo... É curioso. O movimento é inverso: um libera, o outro retém. Não concebo a ideia de se ter que mendigar o conhecimento, porque ele é de todos, pertence à humanidade. Mas infelizmente é isso que tenho visto.

Fico desconcertado, até mesmo constrangido, quando vejo na universidade, por exemplo, 500 pessoas querendo cursar uma pós-graduação, quando apenas 5 poderão fazê-lo. No meu vestibular mesmo: dois mil queriam fazer o curso, mas só havia quarenta vagas. Isto significa que nada menos que 95% não conseguirão, ou seja, o conhecimento é negado a quase todos e disponibilizado (com muito esforço) a apenas cinco por cento dos desejantes. Tem alguma coisa errada.

É por isso que me agrada a existência de universidades privadas. Se o Estado não consegue dar oportunidade a todos os milhares que desejam adquirir uma formação em nível superior, outras instituições deverão fazê-lo. O conhecimento não pode ficar retido. Quanto mais conhecimento se disseminar na sociedade, melhor. Teremos melhores eleitores, melhores trabalhadores, melhores empresários, melhores consumidores, em fim, melhores cidadãos, o que certamente beneficiará a todos.

Na minha universidade, sinto falta dos negros, dos pobres, dos deficientes; sinto falta dos oprimidos, marginalizados e excluídos; porque sei que o conhecimento liberta, inclui, trás cidadania e independência. Alguns grupos precisam ter acesso ao conhecimento, que existe há séculos e não é propriedade de ninguém... Por isso sou favorável à política de inclusão das cotas. Não podemos negar o acesso ao conhecimento justamente àqueles que mais precisam dele. Isso não está certo.

O nosso país é muito carente de médicos. O conhecimento técnico-científico da medicina existe (é milenar) e é capaz de salvar vidas e prevenir mortes... Precisamos de muitas, muitas pessoas que possam recebê-lo para, em fim, aplicá-lo em benefício dos milhões espalhados por este Brasil continental... Este conhecimento não pode ficar enclausurado pelo Estado nas universidades públicas, distribuído às migalhas. O conhecimento não pode ser monopólio do Estado. Isto é até perigoso. Se outras instituições particulares querem oferecer a formação médica, sejam bem vindas! Nós precisamos.

Quero ver as universidades públicas crescerem, ampliarem e se desenvolverem. Quero o mesmo para as privadas. Quero ver o conhecimento se espalhar como uma epidemia viral, como um refrão de Aviões do Forró ou um pancadão do baile funk...

Não pense o amigo que esqueci de considerar a qualidade destes cursos. Isto é um problema, um grave problema. Mas tenha certeza, tenha certeza que a solução não é fechá-los...

Os muros da universidade devem cair, como caiu o muro de Berlim. E um novo mundo se abrirá para muitos. De conhecimento, oportunidades e realizações. Enfim, de dignidade e cidadania. Eles também merecem.

Ditadura

Foi realmente um tempo difícil, no qual eu nunca queria ter vivido. O pai da minha esposa, querido Charles, que hoje não está mais entre nós, era artista plástico e foi tentar a vida no Rio de Janeiro. Lá, conheceu a juventude "enérgica" daquela época e passou a colaborar na produção de um jornal clandestino de vertente socialista. Fazia desenhos, essas coisas. Ele me disse que não tinha envolvimento político com o movimento; era só para ajudar os amigos.

Certo dia, num bar, foi surpreendido por policiais, que o detiveram juntamente com uma colega. De olhos vendados, foram levados a um lugar desconhecido no meio da mata. Ficou preso por algumas horas, enquanto torturavam sua colega num lugar mais afastado - ele não via, mas ouvia. Por sorte conseguiu escapar dalí, cavando a terra por baixo da cerca. Fugiu e foi parar de madrugada, todo enlamaçado, numa grande avenida, quando ficou a salvo...

Inclusive, na abordagem policial ainda no bar, "furaram" a mão de Charles com seu próprio lápis de trabalho, como forma de intimidação. O fizeram com tanta força, que o grafite ficou encravado dentro de sua pele e nunca foi retirado.

Meu pai, ainda criança, voltando da escola a caminho de casa, nas proximidades do colégio Lyceu Paraibano, em João Pessoa, uma bala perdida passou muito perto da sua orelha... De vez em quando, ele e seu amigo tinham que se esconder, por causa dos confrontos... Meu avô, militar, sempre o alertava: "José, fique longe dessas coisas...". Era a ditadura.

Quantos não conseguiram escapar? Em quantos a bala acertou? Era a ditadura...

Dizem que a pior democracia vale mais do que a melhor ditadura...

Ditadura só é bom (se é que podemos chamá-la assim) para quem está do lado dela...

Não podemos admitir um regime de governo que seja intolerante às diferenças.

Por isso não se esqueça: melhor do que tudo isso é a democracia. Bem ou mal, é a democracia.

Bullying

Bullying está na moda. Sendo assim, quero aproveitar o momento para relatar algumas situações das quais fui vítima e outras que presenciei com alguns amigos e colegas. É uma forma de protesto, que sirva para a reflexão de todos.

Sempre fui um aluno relativamente comportado, comunicativo e, até certo ponto, agradável, o que me fez ser sempre bem aceito por alunos e professores. Amigos não me faltavam. Foi somente no ensino médio que eu passei por alguns constrangimentos e humilhações, intensos ao ponto de hoje caracterizá-los como bullying.

As coisas começaram quando me distanciei consideravelmente do meu duradouro e coeso grupo de amigos, até então juntos há mais de cinco anos, convivendo diariamente. Distanciei-me porque conheci outras realidades, outras pessoas (minha esposa inclusive), em fim, outros "mundos", diferentes daquele ao qual estávamos acostumados e seguros. Passei assim a me dedicar também a outras coisas e outras pessoas, e não somente a eles.

As reações não demoraram. Justiça seja feita: não houve agressões físicas; neste ponto me respeitaram. Por outro lado passaram a me chacotear constantemente na escola. Encontravam sempre um motivo para me ridicularizar publicamente perante a turma ou, durante o intervalo, no pátio da escola, perante os alunos das outras séries. Começaram a me caricaturar no quadro negro, para que todos rissem de mim (e riam). Chegaram ao ponto de me amarrar na carteira da sala, durante o intervalo, esperando a volta dos demais alunos, para que todos pudessem me ver ali, preso... Sentia-me realmente humilhado. Acho mesmo que foi bullying.

As coisas só amenizaram a partir de quando, em sala de aula, não aguentando mais as humilhações, tendo chegado ao meu limite, me retirei, fui à coordenação e, chorando, delatei um de meus colegas, que foi retirado da sala imediatamente, intimidando os demais. Com o tempo, alguns até me pediram desculpas. Com um pouco mais de tempo, pararam. Mas foram situações tristemente inesquecíveis.
Como disse a pouco, não sofri agressões físicas, mas outros do grupo sim. Era impressionante como faziam tudo gratuitamente, apenas para rirem e fazerem os outros rirem daquela pessoa que, naquele momento, não era gente, era uma "coisa" nas mãos deles.

A adolescência é uma fase difícil e complicada. O papel das autoridades (pais, professores, coordenadores e outros responsáveis) é fundamental e indispensável para estabelecer os limites e impor o respeito.

Cidadania também se ensina e também se aprende.

Seu Francisco e sua promessa...

Trabalho com atendimento ao público e numa dessas chegou seu Francisco. Um simpático senhor de idade, com o pescoço enfaixado e impossibilitado de falar, motivo pelo qual se comunicava escrevendo. Como me é de costume, enquanto o atendia, procurei conversar e conhecer um pouco de sua história, o que me deixou entusiasmado, devido a algumas coincidências.

Primeiramente ele disse (escreveu) que morou por anos na minha cidade natal (muito distante de onde trabalho, diga-se de passagem), fato que nos aproximou logo de cara. Além disso, ele também é torcedor do Auto Esporte de João Pessoa (o que, convenhamos, não é fácil de se encontrar por aí).



Outra coisa que me surpreendeu é que ele não apenas gosta de futebol, mas é locutor nas rádios! Não imaginei que aquele homem "mudo" utilizaria como seu principal instrumento justamente a voz. Disse que estava há alguns meses afastado, por conta da cirurgia na garganta, mas que em breve retornaria aos trabalhos e dedicaria um gol a mim no próximo jogo. Eu, que gosto do esporte, senti-me prestigiado.



Combinamos então de ele me avisar antecipadamente, para que eu possa acompanhar a partida pelo rádio e testemunhar, com a minha esposa, o cumprimento da promessa.



Na verdade, o que mais me impressionou foi a vontade contagiante de um idoso, cirurgiado, em voltar a trabalhar e ter sua vida social como antes. É um exemplo de cidadania bem sucedida, em detrimento a tantos outros que, por causa da idade, perdem o espaço no mercado de trabalho, são socialmente marginalizados e, não raro, por razões óbvias, amargam no fim da vida os horrores da depressão... Queria eu chegar a essa idade com o mesmo astral e a mesma força... Seria uma dádiva da vida.



No mais, espero o dia do jogo e que, principalmente, o placar não termine como comece.

Arte é arte e não se discute.


Bienal
(Zeca Baleiro e Zé Ramalho)

Desmaterializando a obra de arte do fim do milênio
Faço um quadro com moléculas de hidrogênio
Fios de pentelho de um velho armênio
Cuspe de mosca, pão dormido, asa de barata torta

Meu conceito parece, à primeira vista,
Um barrococó figurativo neo-expressionista
Com pitadas de arte nouveau pós-surrealista
calcado da revalorização da natureza morta

Minha mãe certa vez disse-me um dia,
Vendo minha obra exposta na galeria,
"Meu filho, isso é mais estranho que o cu da jia
E muito mais feio que um hipopótamo insone"

Pra entender um trabalho tão moderno
É preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno,
Multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone,
Reinvento o céu e o inferno

Minha mãe não entendeu o subtexto
Da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto
Chego a um resultado estético bacana

Com a graça de Deus e Basquiat
Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá
Uma psicodélica baiana

Misturarei anáguas de viúva
Com tampinhas de pepsi e fanta uva
Um penico com água da última chuva,
Ampolas de injeção de penicilina

Desmaterializando a matéria
Com a arte pulsando na artéria
Boto fogo no gelo da Sibéria
Faço até cair neve em Teresina
Com o clarão do raio da silibrina
Desintegro o poder da bactéria

Crítica irreverente a 23ª Bienal Internacional
de São Paulo (1996), cujo tema era:
“A desmaterialização da arte no final do milênio”.

Fantástico!

Recursos Humanos X Gestão de Pessoas

Nas empresas muito se ouve falar em recursos humanos, o famoso RH. Estudando superficialmente alguma coisa sobre o assunto, percebi que esse termo mudou para Gestão de Pessoas. Ou seja, hoje em dia não se administra recursos humanos; se faz gestão de pessoas. Pode parecer esquisito, mas me perguntei: porque mudaram o nome? O que muda de uma expressão para a outra? O que essa nova nomenclatura sugere de diferente?

Inicialmente fiquei sem resposta, até o dia em que precisei de uma ajudinha do chefe. Precisei da sua compreensão, da sua sensibilidade, da sua humanidade. Estava passando por problemas... Foi quando percebi, diante da sua rigidez quase militar, que eu era para ele um “recurso humano” à sua disposição, assim como os computadores da repartição e as mesas do gabinete são os “recursos materiais”, também à sua disposição.

Vi que o que ele queria de mim era o meu suor, a minha energia, o meu trabalho, e não a minha pessoa. Para ele eu era um operário que produzia junto com as máquinas. Na verdade, para ele eu também era uma máquina... Nesse momento o que eu mais precisava era de uma gestão de pessoas.

Vi que por trás de uma aparente mudança de nome estava uma “quebra de paradigmas”. Uma revolução de mentalidade, da maneira de enxergar o trabalhador enquanto pessoa, que pensa, que sente, que tem uma vida lá fora (mais interessante, diga-se de passagem). Que coloca a sua família em primeiro lugar, e não a empresa. Muda-se o nome, mas não mudam-se os conceitos. Preferia que fosse o contrário...

Em outra ocasião, li na Veja uma reportagem sobre as 10 melhores empresas para se trabalhar, referências no mundo. A Google era a número 1. Fiquei encantado com os seus princípios: flexibilidade com os horários; motivação do trabalhador; quebra da hierarquia rígida; valorização da criatividade; em fim, valorização das pessoas, que são o que há de mais importante nas organizações.

Ser chefe não é fácil, eu sei. É uma “persona non grata” por natureza. Mas quem disse que precisamos de chefe? Somos livres! Precisamos de gestores. Que não nos olhe de cima pra baixo, mas lado a lado.

Recursos Humanos X Gestão de Pessoas. Façam suas apostas!

A dança intuitiva

Na MTV é exibida, durante o intervalo, uma dança maluca de um homem esquisito, com um bigode robusto, roupas estranhas e fora de moda. Ele aparece dançando sozinho num salão, ao som de vários ritmos diferentes. O cenário é sempre o mesmo, o que muda, de uma apresentação para outra, é a música, que varia a cada nova gravação. No canto inferior esquerdo da tela está escrito: dança intuitiva.

Sempre achei a propaganda sem pé nem cabeça, o que aliás é comum nas vinhetas da MTV. Mas confesso que aos poucos fui achando engraçado, bizarro e até mesmo interessante. Com o tempo já estava gostando mesmo. Gostei da idéia de a gente dançar sem o mínimo de coordenação ou lógica ou sincronia ou estilo... É assim que ele dança. Do jeito que ele quiser no momento, para onde seu corpo o levar.

Fiquei pensando como seria bom se nós pudéssemos dançar assim nas festas, nos encontros em família, nos aniversários, nos casamentos. Sem a recriminação de ninguém, sem preconceitos, sem chacotas dos colegas... LIVRE! Cada um do seu jeito, do jeito que quiser dançar, ou nem dançar, se também não quiser. Sentado ou em pé, em grupo ou sozinho, ritmado ou fora de ordem, com beleza ou sem beleza. Aliás, se assim fosse, seria muito belo...

Na minha adolescência, tinha vergonha de dançar. Eu não sabia dançar, e não arriscava para não fazer feio e passar vexame. Ou seja: não dançava porque não sabia e não sabia porque não dançava. Situação curiosa, essa...

Certamente, dançar “bonito” é agradável para quem dança, na medida em que percebemos a admiração e recebemos o elogio das pessoas. Os outros nos fazem bem. Tanto é, que, se quem está a nossa volta passasse a expressar sinais de reprovação ou ridicularização em relação a nossa dança, perderíamos a graça, a animação, ficaríamos com vergonha, pararíamos de dançar.

Por outro lado, dançar “livre” é agradável por nós mesmos. Dança-se deste ou daquele jeito porque o movimento sai de dentro e agrada, independentemente dos outros. É uma verdadeira expressão de si mesmo. Isto é bonito. E a satisfação me parece ser ainda maior.

A boa notícia é que quem sabe dançar pode conciliar as duas coisas: beleza e liberdade (duplamente agradável). Mas o mal dançarino... O mal dançarino... O mal dançarino fica numa situação difícil, como já comentei: ou dança – o que será feio; ou não dança – o que será mais feito ainda.

Dançar liberta para quem dança com liberdade.

Acho que um dia eu vou desfrutar dos prazeres da dança intuitiva com a minha esposa, em casa, trancados e protegidos da observação de qualquer vizinho bisbilhoteiro, escondidos de qualquer outra pessoa do mundo.

Será uma experiência indescritível...

Aconteceu...

Certo dia, caminhando pelos corredores da faculdade, me surpreendi com um professor ministrando uma aula para ninguém. Isso mesmo.

Estava eu atrasado para a segunda aula da noite e, encabulado, antes de entrar na sala, deparei-me com algo inusitado: não havia alunos. Meio confuso, disfarcei e, da porta mesmo, saí de fininho. Não tive coragem de entrar.

Fiquei me perguntando: porque o professor ministrava a aula? Falava para quem ouvir? Tem professor meio doido, não é mesmo? Então dei-lhe intimamente meu diagnóstico de insanidade mental, fui pra casa e tentei esquecer o ocorrido.

No outro dia, acessando o e-mail da turma, li o desabafo de uma colega, que se dizia bastante envergonhada, porque, na noite anterior, fora a única aluna presente. Pude então entender que na verdade fui eu que não a avistei. Fato curioso que a deixou desconcertada, revelava, foi o professor discursar no plural, utilizando expressões do tipo: “vejam vocês...” ou “como podem verificar...” ou ainda “percebam que...”, com se estivesse falando para uma platéia...

Porque ele falava no plural para uma única pessoa? Parece até um discurso automático, gravado, que não se pode mudar. Isso é esquisito. Tão esquisito quanto, num universo de mais ou menos 40 alunos, apenas um querer assistir a aula. Não era feriado nem imprensado. Foi desinteresse geral mesmo. Desinteresse de estudantes do curso de Direito de uma universidade federal...

Interessante foi o acordo que fizeram. Chegaram à conclusão de que um quorum muito pequeno poderia chatear o professor e fazer com que ele quisesse prejudicar os alunos. Então dividiram a turma em grupos, de acordo com a letra inicial dos prenomes. Por exemplo:

   - 1º grupo: iniciais de A – D;

   - 2º grupo: de E – I;

   - 3º grupo: J – O; e

   - 4º grupo: P – Z.

Assim os grupos se revezariam de modo a manter um quorum minimamente satisfatório, sem que os alunos precisassem assistir a muitas aulas. Firmaram um pacto de solidariedade mútua e juraram fidelidade ao contrato.


Este é um exemplo emblemático de um fenômeno que me parece comum: aluno não gosta da sala de aula. O problema é do aluno, do professor ou dos dois? Penso que o professor seja o maior responsável (talvez, quando eu for professor, pense diferente).

A aula precisa ser interessante para o aluno e também participativa. Enquanto o professor continuar a fazer da aula um trabalho dele próprio, ele vai continuar falando sozinho, porque o livro continuará sendo mais interessante...

A aula é uma construção de um grupo, do qual o aluno é a peça principal, opinando, perguntando, discordando, errando e acertando. Enfim, participando. Sem autoritarismos, arbitrariedades ou disputa de poderes...

Todo aluno é fantástico em potencialidades. Portanto, o encontro de vários deles poderia sê-lo também.