CEA

CEA é o Centro Educacional do Adolescente. Uma instituição que acolhe menores infratores, e por isso mesmo é conhecida por alguns como “o presídio dos adolescentes”. Você sabe que o adolescente não pode ser preso, porque é de menor. Então, quando cometem uma infração grave (homicídio, assalto, tráfico de drogas, etc.), são internados no CEA.

Tive a oportunidade de conhecer o CEA num estágio relâmpago de apenas duas semanas. Mas deu pra sentir o clima daquele lugar: é um presídio. Grades por todos os lados, revistas constantes, segurança permanente, sala de isolamento, dia da visita... já houve até rebeliões, fugas e atentados ali dentro – mataram um por sufocamento. É ou não é um presídio? Quase a totalidade dos internos são usuários de drogas. Boa parte é viciada em crack...



Tenho dito que o sistema prisional é um sistema falido, por uma única razão. A prisão serve para recuperar a pessoa, resgatar a sua dignidade, oferecer oportunidades para a mudança de vida, retirá-lo da marginalidade e trazê-lo à vida social. Pergunto: o presídio cumpre o seu papel? Resposta: não, definitivamente não! Por isso é falido. O que fazer com um garoto de seus 13 anos, inserido no mundo do tráfico, praticando homicídios e assaltos como gente grande? Da mesma forma, precisamos recuperá-lo. No CEA, disseram-me que o índice de reincidência é alto, muitos morrem ao serem postos em liberdade e recuperação mesmo é coisa rara. É ou não é um presídio?



Não sei o que fazer para recuperar alguém que é de outro mundo, diferente do meu e do seu. Um mundo de agressões físicas e psicológicas constantes e muito, muito intensas, a começar de casa, continuando-se pela rua, completando-se na escola... Sem carinho, atenção, respeito... Com fome, pobreza, miséria, ignorância... Fazer o quê com uma pessoa dessa? Esperar o quê de uma pessoa dessa? Família não tem ou, se tem, melhor que não tivesse, pois “melhor sozinho do que mal acompanhado”... O lar é um terreno de violação de direitos, de ofensa à dignidade, de desprezo e brutalidade... Esperar o quê de uma família dessa e sua prole? Infelizmente, o pior.



Nessas horas eu penso que tive sorte em nascer onde nasci. Sorte, a palavra é essa: sorte. Poderia ter nascido em outros lugares, em outras famílias. Poderia ter nascido na Somália, na Etiópia, no Haiti, e em tantos outros lugares, onde não existe nem vida... Isso não é vida. Tenho certeza que eu não seria uma exceção. No lugar destes adolescentes que vi no CEA, com a vida deles, com a família deles, seria exatamente como eles...



Nunca me esqueci do ditado que diz: “para todo problema complexo, existe uma solução simples e errada”. Não tenho nenhuma pretensão de resolver a situação dos adolescentes do CEA. A coisa é séria, o problema é difícil. Se conseguisse, já teria ganhado o Prêmio Nobel da Paz ou seria no mínimo Ministro da Justiça. Contudo, de uma coisa eu tenho certeza: precisamos enfrentar o problema, quebrar a cabeça...



Acredito na força da educação. Lá no CEA eles têm aulas todos os dias. Tive a curiosidade de ver os livros que eles estudam. Quase choro. O de História falava sobre a Fenícia, os Persas, os Gregos... O de Geografia era sobre cartografia, coordenadas geográficas... O de Português eu não vi, mas acho que é Morfologia, substantivos, adjetivos, verbos...



Sinceramente pensei: que utilidade têm estes conhecimentos para esses garotos, que estão lutando pela sobrevivência, para escapar do triste fim? Na minha opinião, de nada serve. O que tem haver o Feudalismo com tudo isso? E os advérbios? Para eles é perda de tempo. Precisamos falar o que eles precisam ouvir, e não o que o currículo exige. O caso é muito especial e por isso precisamos fugir do convencional. Esqueçam as frações impróprias ou os afluentes do Amazonas! Vamos ensinar sobre a vida, a família, a realidade, o sofrimento, as drogas, as perspectivas, as possibilidades, as saídas, as esperanças... Isso é útil e sim necessário! Não resolve por si só, mas ajuda. É o mínimo que a educação pode fazer por eles neste momento... Reprodução dos protozoários não dá!

Um comentário:

  1. "O conhecimento tem valor quando é útil"... Qual seria a utilidade de tais conhecimentos para esses jovens que vivem na marginalidade? Seus direitos básicos são marginalizados desde o dia de sua concepção, ou seja, a partir de sua existência aqui neste mundo. Desde o ventre as condições que cercam aquela que o carrega, e as que ela traz consigo, não permitem uma gestação com a saúde que deveria ter. A carência de educação é um mal que faz perdurar todos os outros, porém esta educação deve ser para a vida, deve ser uma ferramenta de batalha para enfrentar a realidade que se encontra e se está inserido. Temas como ética, cidadania, direitos e deveres, justiça, saúde, higiene, o valor da educação, profissionalização, família, sociedade, etc. seriam muito mais absorvidos e com maiores possibilidades de contextualização e, quem sabe, aumentariam as chances de fazer algo mudar.
    O texto mostra bem que entrar em um CEA, passar alguns dias e sair com o mesmo universo lá fora esperando por estes menores, não altera em nada as suas perspectivas, muito menos os seus valores.
    A pergunta é: como agregar valor a esta passagem pelo CEA? Essa passagem pelo "Centro Educacional do Adolescente" deveria ser uma oportunidade de se plantar alguma diferença, mesmo sabendo que lá fora será muito difícil regar esta semente dia a dia.

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