Léo-Pidão

Os meus problemas de caráter existem desde pequeno, revelado especialmente na hora do lanche, que representa uma atraente (e tentadora) fatia da rotina escolar. Os salgados e refrigerantes circulando em massa pelos corredores, pátio e salas é de causar inveja em qualquer um que não dispunha deste cafuné nutricional, no meio das aulas. E comigo não foi diferente. Corrijo: comigo foi diferente sim, porque no meu caso faltara compostura.

Decidi acabar com esse sofrimento mirim e arranjei por conta própria uma solução. Me vali da aparente ingenuidade, carinha de anjo e do carisma que me acompanhara naquelas épocas, para educadamente, expirando desalento, pedir uma única "mordidinha" do salgado do amigo. O gole da Sukita ficava por conta do freguês. Foi um sucesso. Como conhecia muita gente, saciava-me além da conta, ao ponto de recusar generosidades!

Em pouco tempo, a fama do lucrativo empreendimento cresceu, e com ele a minha ganância. Passei então do uso ao abuso, até que um engraçadinho hiperativo (que existe em toda escola) me colocou o implacável apelido de "Léo-Pidão", o qual logo caiu na simpatia dos colegas, arruinando a minha carreira em dois ou três meses. Desconfio que esse cara deva trabalhar hoje na imprensa, ou não descobriu a sua vocação... Pensando melhor, analisando o contexto, o adúltero da trama era eu, e por isso a vida me cobrou uma pensão robusta, mas sem direito a advogado (registre-se)...

Resignado, baixei a cabeça, larguei o vício e restaurei a conduta civilizada, promovendo uma satisfatória ressocialização, porém a mancha do meu passado inglório permanecia nos antecedentes criminais. A memória curta do brasileiro não agiu para mim: o Pidão somente caiu em desuso no ano letivo seguinte, quando passei a consumir as delícias da cantina, sendo que desta vez, na qualidade de legítimo possuidor, como deve ser.

Ainda tive uma boa oportunidade de limpar a história recente e reverter os fatos em meu favor. Mas não soube aproveitar... Reativamente, os colegas passaram a pedir pedaços da minha comida - mais como teste de personalidade do que outra coisa -, ocasionando um certo alvoroço na minha psiquê. Dizem que quem passou fome permanecerá com esse temor para sempre. Até hoje consumo os biscoitos do mês inteiro nos primeiros dias da feira... A fartura me causa inquietude. Resultado é que não consegui ser nobre, escorregando sem remoço, com uma retórica nada louvável:

   - Se eu der um pedaço a vocês, nenhum de nós matará a fome, porque todos comerão pouco. Neste caso, comerei sozinho, porque assim, pelo menos alguém ficará satisfeito.
...
Concluindo este relato, acho que vou almoçar dois pastéis na bodega da esquina. Um de cada sabor, só por nostalgia... E que nenhum mendigo apareça para me pedir nada!

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