A verdade ou a felicidade?

Conta a lenda que, quando Giordano Bruno estava prestes a morrer queimado em praça pública pela Inquisição, porque insistira em algumas descobertas científicas, uma senhora de idade, igrejeira, piedosa e pura, posicionou-se junto a ele, reforçando o coro pela sua condenação, com a veemência que só a fé pode emprestar. Neste momento crítico, o herege, diante da cena, voltasse para ela e diz somente isso: “santa ignorância...”. Digo lenda, porque devem ter criado o episódio, para fazer uma analogia com o Cristo, em uma de suas derradeiras preces: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem”.

História à parte, tenho pensado em como a fé, a religião, ou mesmo a ignorância, podem trazer tamanha convicção ao homem, a ponto de fazê-lo sentir-se plenamente realizado, apesar do engano. Quero dizer que encontramos pessoas que se dizem completamente felizes, por acreditarem em fatos, conceitos e idéias fantasiosas, os quais o mínimo de sensatez é capaz de desmascará-las.

Fica a pergunta: se a “felicidade” e a “verdade” fossem mutuamente excludentes, com qual das duas você ficaria? O que vale mais: uma feliz ilusão ou uma triste verdade? O que você deseja para si: o pleno conforto de uma alienação ou a decepção de uma lucidez? Você, para alcançar a verdade, sacrificaria a felicidade da qual desfruta? Você é adepto da tese “o que os olhos não vêem o coração não sente”? Ou prefere cavar com as próprias mãos o buraco de sua sepultura, para desterrar o que está obscuro? Decida. Pode parecer muito filosófico, mas somos obrigados a fazer escolhas como essas de vez em quando...

Lembro-me de quando me sentia de Jesus. Me sentia pleno, indescritivelmente pleno. Mas não podia ver novela (porque era criação do satanás); não podia ouvir músicas (porque era canção do satanás); não podia ler livros (porque era obra do satanás); não podia ir a um bar (porque era lugar do satanás); não podia criticar a igreja (por que era pensamento do satanás); não podia sentir desejo (porque era influência do satanás), não podia largar o terço (com medo do satanás). Não podia, não podia e não podia... Satanás, satanás e satanás...

Isso ainda acontece por aí, em muitos lugares...

Prefiro a lucidez. E você?

Um comentário:

  1. Léo, eis aqui uma bela maneira de começar o ano. A filosofia abre portas duplas para o mundo. É, no mínimo intrigante o questionamento posto por você: decidir entre a felicidade e a verdade. Aqui entra a magia de Filosofia que não tem respostas pré-estabelecidas e verdade única.Entre os clássicos a verdade é definida como adequação do intelecto ao real, ou seja, a verdade para um não tem que ser a verdade para o outros(s). Assim, a felicidade, enquanto "estado de espírito particular" certamente trará à reboque a verdade construída para atender aquela necessidade.Portanto, Léo, concordo plenamente com o seu belo texto, apenas faria a minha adaptação usando equilíbrio no lugar de lucidez, algo assim como trocar seis por meia dúzia.

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