Entre a razão e a emoção

Tenho pensado ultimamente sobre a arte. Acho que não fui uma pessoa ligada à arte durante a minha infância. Nem música, nem dança, nem teatro, nem literatura... O meu contato era mais com a razão, com a ciência. Na estante da minha casa eram livros de físicos, matemáticos e personalidades (da parte do meu pai); e compêndios de medicina e ginecologia (da parte da minha mãe), com algumas exceções.

Fui estimulado a me interessar pelas matérias da escola: matemática, física, química, biologia, pelas notas e o boletim. E não pelos livros paradidáticos de Machado de Assis, José de Alencar e Jorge Amado; ou pelas poesias de Cecília Meireles, Drummond e Augusto dos Anjos. Não li nenhum. Gostava mesmo era da equação, da mecânica e da tabela periódica. Fui criado assim, apreciando as disciplinas tradicionais do currículo escolar, admirador da racionalidade fria e calculista, com resultado preciso e inquestionável.

Descobri uma face adormecida dentro de mim quando entrei na igreja. Achava bonito ser ateu, como o meu pai. Religião não se explica, nem Deus e nem a fé, e por isso não lhe dava importância. Mas a emoção me passou a perna. E caí de bunda pra baixo, completamente fascinado por uma experiência concreta, que não se descreve, mas se sente. A emoção me atestou Deus e me introduziu, pela primeira vez, na religião.

Daí em diante, me abri para um novo mundo, uma realidade cuja compreensão é relativa, imprecisa, misteriosa. O espírito humano, o sofrimento humano, as relações humanas, a psique, o sentido da vida e do homem, o místico, o transcendental.

Vivo hoje entre a razão e a emoção. Quero ser, no futuro, um professor, um pesquisador. Mas também quero levar emoção às aulas, poesia à ciência, paixão, entusiasmo, e uma piada indecorosa de vez em quando... A vida é tudo isso.

Um grande amigo da adolescência, Silvio Sá, a quem admirava (e admiro) pela sua inteligência, contava que as pessoas diziam a ele: "veja uma flor desabrochando e perceba que Deus existe". E ele me revelava: "vejo uma flor desabrochando e percebo que mitoses existem". Confesso que também não conseguia enxergar nada a mais do que a magnífica beleza das mitoses. Ele me convencia.

Não há quem o desminta. Mas, hoje, somente hoje, vejo uma flor e consigo, a partir dela, aflorar emoções adormecidas, sentimentos recalcados, lembranças esquecidas. E posso assegurar (como 2 e 2 são 4) que a beleza de uma flor transcende à magnífica beleza das mitoses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário