A poesia do poeta

Quero falar da morte de Ronaldo. Nunca imaginei que um dia o estivesse homenageando. A vida tem dessas surpresas... Se não o fizesse, contudo, seria fingimento, pois a minha subjetividade o reverencia de alguma forma.

Conversava nesses dias com os amigos sobre "rotularmos" uma pessoa por um ou uns atos de sua vida. Chegamos a conclusão que rotular é sempre alienante: se rotulamos bem, escondemos os erros; se rotulamos mal, escondemos as virtudes. Não é justo classificarmos desastroso um longo caminho, uma longa estrada, por uma curva mal feita em seu percurso. Ninguém é Deus e ninguém é o diabo. O alfa e o ômega se misturam em cada um de nós, compondo essa nossa existência contraditória, confusa, misteriosa, surpreendente, mas, sobretudo, apaixonante.

Nunca votei nele, nem em sua descendência, e acho bem provável que isso permaneça. No entanto, quero fazer minha sincera, madura e sóbria homenagem ao grande poeta, guardando para sempre em meus arquivos de postagens, sua célebre petição em verso, chamada:

HABEAS PINHO

Exmo. Sr.
Dr. Artur Moura,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!

Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes temos, vem pedir deferimento!

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima, advogado.

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