Pelos Direitos Humanos...

Há tempo tento falar e não consigo. Recentemente pedi voz num auditório e, diante de umas cem pessoas, falei, falei, sem dizer nada... Estou mesmo confuso. Talvez escrevendo consiga organizar as ideias, reduzindo a ansiedade, deletando, respirando fundo e recomeçando.

Os Direitos Humanos têm mexido com o Brasil, gera polêmica e agora virou guerra. Sei que "o direito é filho da luta e só pode manter-se pela luta" (Flóscolo da Nóbrega). É justamente sobre essa luta que tento me manifestar sem sucesso...

Estereotiparam os ativistas, desqualificaram os militantes, rejeitaram o Direito. Pensamento que contagia a sociedade e é, sem dúvida, lamentavelmente hegemônico. Essa guerra é da comunicação e os Direitos Humanos não estão sendo compreendidos...

Mas o que pretendo mesmo examinar é o fenômeno inverso: muitos humanistas, por outro lado, não me parecem ouvir as críticas da melhor forma, também construindo esteriótipos e obstruindo os canais de comunicação... Ou seja, neste diálogo (se é que existe), o ruído vai nos dois sentidos, cada um mais armado que o outro, ocasionando um saldo de entendimento mútuo praticamente inexistente. Virou guerra.

Por mais esquisito que possa parecer, coloco-me ao lado dos defensores dos Direitos Humanos para alertar - com toda a intransigência e descaramento que caracterizam a minha personalidade - sobre a melhor leitura que podemos fazer das reivindicações e desabafos de muitos da sociedade a cerca dos "direitos humanos dos bandidos" e da "impunidade dos marginais"...

A marginalização social é uma chaga histórica e inconstitucional que maltrata a sociedade brasileira, fabricando delinquentes em escala industrial, lhes permitindo apenas saídas heroicas e obviamente pouco prováveis... Para completar, o tratamento penal dado aos infratores é, sem exagero, o pior possível. A prisão é o lugar da mais absurda manifestação do cruel, de onde não escapa um único fiapo de sensibilidade... A privação de liberdade é na prática privação de tudo. A concreta animalização da pessoa humana. Um laboratório a serviço do mal. Uma tragédia incalculável. Ressocialização? (O que é isso?). Tudo torna o trabalho dos defensores dos Direitos Humanos muito legítimo e elevadamente nobre. Um protesto da mais profunda humanidade...

Porém, é preciso respirar fundo para compreender que a legitimidade das demandas de um grupo não desfaz a razão do outro, porque a violência cresce para todos e o sistema não está bom para ninguém. Ora, objetivamente, não é justo que um cidadão seja assaltado nas ruas, no trabalho ou em casa... Também não é justo que Dona Maria perca Mariazinha, brutalmente assassinada a caminho da escola (ou mesmo dentro da escola)... Não é justo viver permanentemente amedrontado em uma localidade com estatísticas de guerra... Não é nem mesmo justo ter o seu smartphone, de última geração, roubado na entrada ou saída do shopping center...

A incontrolável revolta de Dona Maria - desejando o pior possível para o adolescente agressor de sua filha - deve também ser vista como um grito de legítima e instintiva humanidade! Não se pode vê-la como inimiga, porque a guerra não é contra ela. Ela também quer paz e dignidade, amor e solidariedade, respeito e tolerância... Ela também é vítima de um sistema confuso e falido, que coloca os aliados, uns contra os outros, tornando as coisas ainda mais difíceis de se resolver...

Infelizmente (e com certa justiça), Dona Maria não consegue perceber os defensores dos Direitos Humanos ao seu lado. Infelizmente (e com certa injustiça), os militantes não veem em Dona Maria uma aliada...

Precisamos "combater o bom combate", da forma estrategicamente mais adequada. Há quem se oponha para conservar os privilégios de que gozam. Mas há outros, e são muitos, que estão no mesmo barco, cidadãos comuns, também oprimidos pelas estruturas de poder (em maior ou menor grau); que não entendem direito as coisas (e são difíceis de entender mesmo); que só têm fôlego e energia para protestar contra a injustiça que "imediatamente" os cercam, os atingem ferozmente e tornam suas vidas um inferno. É este também um grito de humanidade!

Para com os primeiros, privilegiados e mal intencionados, não há diálogo; é guerra mesmo. Eles compreendem as coisas, sabem muito bem aonde querem chegar (ou não chegar) e podem ser considerados inimigos (no sentido mais democrático da expressão, é preciso esclarecer). Mas os últimos (os cidadãos comuns) não sabem de que lado estão, só querem justiça, como nós. Para esses, a aproximação, o diálogo, a troca, o conhecimento, o entendimento... Com o tempo, lutaremos juntos, mais concentrados nos 90% que nos une, do que nos 10% que nos divide...

Um comentário:

  1. Leo,

    Nunca esqueci uma aula que tive na UFRPE, curso de economia doméstica, que não conclui... A professora indagou a turma sobre o que era a pior e a melhor coisa na vida de uma pessoa. Respostas mil vieram à tona. Rss
    Ela falou: A melhor é a alienação. A pior é a consciência. Naquele instante eu me vi como um avestruz, pois que ela se referia exatamente àquela comunidade escolar da qual eu fazia parte (era deprimente o nível intelectual da turma) em todos os sentidos... E ela concluiu: A alienação lhe deixa feliz. A conscientização lhe cobra responsabilidade. Através da conscientização você perde a “inocência”, e essa perda lhe impede de mentir para si, tornando-lhe um ser sempre em busca da razão.

    A luta pelos direitos humanos tem mexido com o Brasil e o Mundo. Tudo parece ser ainda muito novo – o olhar social. Compreender que pra ser bom, se faz necessário satisfazer/atender as partes bilaterais, ainda é incompreensível a muitos. Isso dói, angustia, mas não podemos desistir, temos mesmo que pedir voz e falar, falar, falar...

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