Coisa do destino...


Saí às pressas para um evento de Advocacia Popular na universidade, mas quando chego, dou de cara com um arco-íris decorando uma roda de diálogos. Perguntei discretamente a um colega e descobri que estava no lugar errado... Mesmo assim fiquei, porque tenho afinidade com as demandas LGBT. Muita coisa aconteceu... Você não faz ideia.

Entro na hora da apresentação dos participantes e, naturalmente, chegou a minha vez. Conto o desencontro - colhendo alguns risos - e me contam que o evento havia acabado há umas duas horas - colhendo outros risos. Estava ali por engano, mas me acolheram naturalmente. Passo a palavra, quando me interpelam, porque havia esquecido do principal: "sou hétero".

Mas não me senti diferente por isso. No fim das contas somos gente! Na essência, somos essa coisa que sabemos muito bem... O resto é decoração, é a cereja do bolo... É fantasia, é imagem, nada mais. Não é possível que a orientação sexual possa nos estranhar tanto, nos distanciar, nos separar, nos dividir, nos rivalizar, nos guerrear, nos matar... Mas é, meu camarada... É muito possível... É real.

Assino a lista de presença, para valorizar o quórum, e fico ali, ouvindo coisas bonitas... Histórias da vida real... Uma riqueza. Fui percebendo que estava mesmo no lugar certo e não havia me enganado coisa nenhuma. A humanidade naquele lugar era latente! E quando me sinto gente - gente como a gente - me sinto vivo, me sinto bem...

Pra terminar, sorteiam o número 24 da lista de assinaturas e presenteiam Leonardo Dantas com uma bela camisa: "tire o seu respeito do armário"!

Coisa do destino...

A arte e o artista

Desculpe a arrogância, mas acho que hoje descobri o que é um artista. Digo artista! Não necessariamente aquele ator da televisão, aquele cantor de sucesso, aquela celebridade. Artista não se mede assim, de fora pra dentro, pelo repercussão da sua obra, pela exposição.

Artista é um sentimento, uma percepção, uma relação visceral com a arte. Artista encontra na arte o socorro da sua vida, a última escapatória possível. Artista é insano e a arte é seu remédio. O artista se confunde com sua arte, numa simbiose patológica, mas, ao mesmo tempo, vital.

E não precisa fazer bem feito, muito menos ser reconhecido. Nada disso. O artista está nas ruas, nas calçadas, nas periferias, enclausurado no quarto, preso na cadeia; somente às vezes nas galerias, de vez em quando nos festivais, eventualmente nos museus, raramente nos palcos luxuosos...

O artista se perde... Mas se acha a si mesmo...

A vida é mais do que o trabalho, mais do que a feira, as contas, o shopping... A vida é mais do que o salário, o carro, o móvel e o imóvel. A vida transcende. A vida não é só pão, é circo também... É magia, é fantasia, é sentimento, é emoções... A vida é alma. E a arte é tudo isso.

Sem ela, o homem é um ser biológico, que nasce, cresce, reproduz e morre. Que tem fome e sede, inteligência e instintos. Pouco mais do que isso. Mas, com ela, a vida não tem tamanho, não se mede, não se explica... A arte resgata a essência desaparecida, que engrandece a existência a faz a vida valer a pena...

O artista se transporta para o imaginário, o etéreo, e com ele se desfaz. Onde não há régua nem regras, nem formas, nem estilo, nem críticas, nem nada. E ali se descobre, e ali se completa.

Pelos Direitos Humanos...

Há tempo tento falar e não consigo. Recentemente pedi voz num auditório e, diante de umas cem pessoas, falei, falei, sem dizer nada... Estou mesmo confuso. Talvez escrevendo consiga organizar as ideias, reduzindo a ansiedade, deletando, respirando fundo e recomeçando.

Os Direitos Humanos têm mexido com o Brasil, gera polêmica e agora virou guerra. Sei que "o direito é filho da luta e só pode manter-se pela luta" (Flóscolo da Nóbrega). É justamente sobre essa luta que tento me manifestar sem sucesso...

Estereotiparam os ativistas, desqualificaram os militantes, rejeitaram o Direito. Pensamento que contagia a sociedade e é, sem dúvida, lamentavelmente hegemônico. Essa guerra é da comunicação e os Direitos Humanos não estão sendo compreendidos...

Mas o que pretendo mesmo examinar é o fenômeno inverso: muitos humanistas, por outro lado, não me parecem ouvir as críticas da melhor forma, também construindo esteriótipos e obstruindo os canais de comunicação... Ou seja, neste diálogo (se é que existe), o ruído vai nos dois sentidos, cada um mais armado que o outro, ocasionando um saldo de entendimento mútuo praticamente inexistente. Virou guerra.

Por mais esquisito que possa parecer, coloco-me ao lado dos defensores dos Direitos Humanos para alertar - com toda a intransigência e descaramento que caracterizam a minha personalidade - sobre a melhor leitura que podemos fazer das reivindicações e desabafos de muitos da sociedade a cerca dos "direitos humanos dos bandidos" e da "impunidade dos marginais"...

A marginalização social é uma chaga histórica e inconstitucional que maltrata a sociedade brasileira, fabricando delinquentes em escala industrial, lhes permitindo apenas saídas heroicas e obviamente pouco prováveis... Para completar, o tratamento penal dado aos infratores é, sem exagero, o pior possível. A prisão é o lugar da mais absurda manifestação do cruel, de onde não escapa um único fiapo de sensibilidade... A privação de liberdade é na prática privação de tudo. A concreta animalização da pessoa humana. Um laboratório a serviço do mal. Uma tragédia incalculável. Ressocialização? (O que é isso?). Tudo torna o trabalho dos defensores dos Direitos Humanos muito legítimo e elevadamente nobre. Um protesto da mais profunda humanidade...

Porém, é preciso respirar fundo para compreender que a legitimidade das demandas de um grupo não desfaz a razão do outro, porque a violência cresce para todos e o sistema não está bom para ninguém. Ora, objetivamente, não é justo que um cidadão seja assaltado nas ruas, no trabalho ou em casa... Também não é justo que Dona Maria perca Mariazinha, brutalmente assassinada a caminho da escola (ou mesmo dentro da escola)... Não é justo viver permanentemente amedrontado em uma localidade com estatísticas de guerra... Não é nem mesmo justo ter o seu smartphone, de última geração, roubado na entrada ou saída do shopping center...

A incontrolável revolta de Dona Maria - desejando o pior possível para o adolescente agressor de sua filha - deve também ser vista como um grito de legítima e instintiva humanidade! Não se pode vê-la como inimiga, porque a guerra não é contra ela. Ela também quer paz e dignidade, amor e solidariedade, respeito e tolerância... Ela também é vítima de um sistema confuso e falido, que coloca os aliados, uns contra os outros, tornando as coisas ainda mais difíceis de se resolver...

Infelizmente (e com certa justiça), Dona Maria não consegue perceber os defensores dos Direitos Humanos ao seu lado. Infelizmente (e com certa injustiça), os militantes não veem em Dona Maria uma aliada...

Precisamos "combater o bom combate", da forma estrategicamente mais adequada. Há quem se oponha para conservar os privilégios de que gozam. Mas há outros, e são muitos, que estão no mesmo barco, cidadãos comuns, também oprimidos pelas estruturas de poder (em maior ou menor grau); que não entendem direito as coisas (e são difíceis de entender mesmo); que só têm fôlego e energia para protestar contra a injustiça que "imediatamente" os cercam, os atingem ferozmente e tornam suas vidas um inferno. É este também um grito de humanidade!

Para com os primeiros, privilegiados e mal intencionados, não há diálogo; é guerra mesmo. Eles compreendem as coisas, sabem muito bem aonde querem chegar (ou não chegar) e podem ser considerados inimigos (no sentido mais democrático da expressão, é preciso esclarecer). Mas os últimos (os cidadãos comuns) não sabem de que lado estão, só querem justiça, como nós. Para esses, a aproximação, o diálogo, a troca, o conhecimento, o entendimento... Com o tempo, lutaremos juntos, mais concentrados nos 90% que nos une, do que nos 10% que nos divide...

O Google e a Boa Nova

"Ide por todo o mundo e anunciai a boa nova a toda criatura" (Mc 16,15).

Eis o meu testemunho:
Eu era feliz, quando minha privada entupiu. E minha vida parou junto... Só descobri o problema depois que fiz "totô" com toda segurança e liberdade... Boiava pra lá e pra cá o resíduo de um dia inteiro de intensa nutrição, há quase 48 horas! E ameaçava transbordar... Não tinha paz, nem sossego. Um verdadeiro inferno.

Tentei de tudo: água quente, soda cáustica, coca-cola... Ninguém conseguia me ajudar, nem o diabo verde. Recorri à sabedoria popular e catuquei com vara curta, pra ver se "onça" acordava, mas nada... O meu fatídico excremento já estava entrando (novamente) em decomposição, em meio a uma água que já perdera há muito suas propriedades características - incolor, inodora e insípida -, tornando-a catastroficamente irreconhecível. Não poderia contratar um técnico naquele estado de podridão... Confesso que pensei em tirar a própria vida, e uma voz me incitava a isto. Cada vez mais frequente...

As soluções aparecem quando menos esperamos. Cansado da programação da TV aberta, deitado na rede, peguei o smartphone para me distrair e não continuar pensando merda (literalmente). Fuçando aqui e ali, confessei ao Google sobre a minha aflição e apareceram várias alternativas. Muitas eu já havia tentado, o que me desesperou ainda mais, porque só comprovara que a minha situação era muito preta... e fétida. Mas restava uma. Segui as instruções minuciosamente, sem muitas esperanças... E o milagre aconteceu! Se a fé do tamanho de um grão de mostarda move montanhas, porque não haveria de movimentar um conteúdo infinitamente menor?


1. Cubra a grande "boca" do vaso com um plástico até ficar bem vedado. Eu utilizei papel filme de PVC (aquele que a gente cobre os alimentos). Certifique-se que está bem vedado, pois isto é fundamental para o sucesso do procedimento.
2. Feche o assento e a tampa para reforçar. Sente em cima para reforçar mais.
3. Ainda sentado, dê descarga e permaneça com o botão apertado. Não solte. Espere concluir esta etapa.
4. Em poucos segundos, algum jogo de pressão do ar, que eu não sei explicar, fará com que todo o mal seja exorcizado ralo a baixo...
5. Agradeça ao Google!

E lembre-se:
   - Se você crê será salvo tu e tua casa (At 16,31);
   - Mas se não crê, permanecerá condenado (Mc 16,16).

Mãe é... mãe.

Tenho problemas, e é com datas comemorativas, especialmente o meu aniversário. Não explicarei as razões remotas do transtorno, porque isso não é nada agradável (vamos combinar), nem você vai chorar minhas lamentações, tenho certeza. Essa brincadeira não é de saúde mental. É sobre mãe. A minha e talvez a sua.

Coleciono alguns constrangimentos por causa do amor de mãe. Que parece olhar pro filho, se concentrar nele, e esquecer do resto do planeta Terra. Quatro episódios aparecem imediatamente na memória e, não sei por quê, contarei a você, que me oferece, generosamente, o seu ouvido-amigo.

Sexta série (hoje, sétimo ano do ensino fundamental). Plena adolescência... Vaidade e timidez... O que menos se quer é passar vergonha e pagar mico. A aula é da professora de português, que enxergo perfeitamente se fechar os olhos. De repente, sem consulta, entra minha mãe, sorrindo, com a torta nos braços e a coordenadora ao lado, puxando o coro: "pa-ra-béns-pra-vo-cê..."! Lembro dos risos e daí em diante não lembro de mais nada... Acho que durou umas três horas e meia... A música, é claro.

Vestibular, primeira fila. Estou de cabeça baixa, talvez rezando, porque vai começar. De repente, sem autorização, entra meu irmão - a mando da minha mãe -, sorrindo, e diretamente me entrega pouco mais de meio quilo de jujuba, de todas as cores, em um saco bastante transparente (transparente como nunca vi). Lembro das gargalhadas e daí em diante não lembro de mais nada... Deixei elas eternamente mofando no chão... Até hoje...

2008, vinte e seis anos. "Pode chamar seus amigos, meu filho". Na hora H, minha mãe aparece, sorrindo, e, da cartola, retira uma coleção de chapeuzinhos de aniversário, com liga e tudo... Lembro da surpresa e daí em diante não lembro de mais nada... A liga doía...

Hoje. Meu aniversário. Um marmanjo trintenário, casado e trabalhando, graças a Jesus. De repente, sem protocolo, entra minha mãe na repartição, sorrindo, com duas caixas de presentes debaixo dos braços e uma sacola pendurada na mão - na outra a chave do carro... Lembro das brincadeiras e daí em diante não lembro de mais nada... Apertava os pacotes com o sovaco e tive medo da camisa cair...

...
Acho que vou tratar com a minha mãe. Mas desta vez será de homem-pra-homem...