A dança intuitiva

Na MTV é exibida, durante o intervalo, uma dança maluca de um homem esquisito, com um bigode robusto, roupas estranhas e fora de moda. Ele aparece dançando sozinho num salão, ao som de vários ritmos diferentes. O cenário é sempre o mesmo, o que muda, de uma apresentação para outra, é a música, que varia a cada nova gravação. No canto inferior esquerdo da tela está escrito: dança intuitiva.

Sempre achei a propaganda sem pé nem cabeça, o que aliás é comum nas vinhetas da MTV. Mas confesso que aos poucos fui achando engraçado, bizarro e até mesmo interessante. Com o tempo já estava gostando mesmo. Gostei da idéia de a gente dançar sem o mínimo de coordenação ou lógica ou sincronia ou estilo... É assim que ele dança. Do jeito que ele quiser no momento, para onde seu corpo o levar.

Fiquei pensando como seria bom se nós pudéssemos dançar assim nas festas, nos encontros em família, nos aniversários, nos casamentos. Sem a recriminação de ninguém, sem preconceitos, sem chacotas dos colegas... LIVRE! Cada um do seu jeito, do jeito que quiser dançar, ou nem dançar, se também não quiser. Sentado ou em pé, em grupo ou sozinho, ritmado ou fora de ordem, com beleza ou sem beleza. Aliás, se assim fosse, seria muito belo...

Na minha adolescência, tinha vergonha de dançar. Eu não sabia dançar, e não arriscava para não fazer feio e passar vexame. Ou seja: não dançava porque não sabia e não sabia porque não dançava. Situação curiosa, essa...

Certamente, dançar “bonito” é agradável para quem dança, na medida em que percebemos a admiração e recebemos o elogio das pessoas. Os outros nos fazem bem. Tanto é, que, se quem está a nossa volta passasse a expressar sinais de reprovação ou ridicularização em relação a nossa dança, perderíamos a graça, a animação, ficaríamos com vergonha, pararíamos de dançar.

Por outro lado, dançar “livre” é agradável por nós mesmos. Dança-se deste ou daquele jeito porque o movimento sai de dentro e agrada, independentemente dos outros. É uma verdadeira expressão de si mesmo. Isto é bonito. E a satisfação me parece ser ainda maior.

A boa notícia é que quem sabe dançar pode conciliar as duas coisas: beleza e liberdade (duplamente agradável). Mas o mal dançarino... O mal dançarino... O mal dançarino fica numa situação difícil, como já comentei: ou dança – o que será feio; ou não dança – o que será mais feito ainda.

Dançar liberta para quem dança com liberdade.

Acho que um dia eu vou desfrutar dos prazeres da dança intuitiva com a minha esposa, em casa, trancados e protegidos da observação de qualquer vizinho bisbilhoteiro, escondidos de qualquer outra pessoa do mundo.

Será uma experiência indescritível...

Aconteceu...

Certo dia, caminhando pelos corredores da faculdade, me surpreendi com um professor ministrando uma aula para ninguém. Isso mesmo.

Estava eu atrasado para a segunda aula da noite e, encabulado, antes de entrar na sala, deparei-me com algo inusitado: não havia alunos. Meio confuso, disfarcei e, da porta mesmo, saí de fininho. Não tive coragem de entrar.

Fiquei me perguntando: porque o professor ministrava a aula? Falava para quem ouvir? Tem professor meio doido, não é mesmo? Então dei-lhe intimamente meu diagnóstico de insanidade mental, fui pra casa e tentei esquecer o ocorrido.

No outro dia, acessando o e-mail da turma, li o desabafo de uma colega, que se dizia bastante envergonhada, porque, na noite anterior, fora a única aluna presente. Pude então entender que na verdade fui eu que não a avistei. Fato curioso que a deixou desconcertada, revelava, foi o professor discursar no plural, utilizando expressões do tipo: “vejam vocês...” ou “como podem verificar...” ou ainda “percebam que...”, com se estivesse falando para uma platéia...

Porque ele falava no plural para uma única pessoa? Parece até um discurso automático, gravado, que não se pode mudar. Isso é esquisito. Tão esquisito quanto, num universo de mais ou menos 40 alunos, apenas um querer assistir a aula. Não era feriado nem imprensado. Foi desinteresse geral mesmo. Desinteresse de estudantes do curso de Direito de uma universidade federal...

Interessante foi o acordo que fizeram. Chegaram à conclusão de que um quorum muito pequeno poderia chatear o professor e fazer com que ele quisesse prejudicar os alunos. Então dividiram a turma em grupos, de acordo com a letra inicial dos prenomes. Por exemplo:

   - 1º grupo: iniciais de A – D;

   - 2º grupo: de E – I;

   - 3º grupo: J – O; e

   - 4º grupo: P – Z.

Assim os grupos se revezariam de modo a manter um quorum minimamente satisfatório, sem que os alunos precisassem assistir a muitas aulas. Firmaram um pacto de solidariedade mútua e juraram fidelidade ao contrato.


Este é um exemplo emblemático de um fenômeno que me parece comum: aluno não gosta da sala de aula. O problema é do aluno, do professor ou dos dois? Penso que o professor seja o maior responsável (talvez, quando eu for professor, pense diferente).

A aula precisa ser interessante para o aluno e também participativa. Enquanto o professor continuar a fazer da aula um trabalho dele próprio, ele vai continuar falando sozinho, porque o livro continuará sendo mais interessante...

A aula é uma construção de um grupo, do qual o aluno é a peça principal, opinando, perguntando, discordando, errando e acertando. Enfim, participando. Sem autoritarismos, arbitrariedades ou disputa de poderes...

Todo aluno é fantástico em potencialidades. Portanto, o encontro de vários deles poderia sê-lo também.