Dona Maria

Soube, através de colegas do trabalho, que uma das ganhadoras do Prêmio Jabuti 2015 (o Oscar da literatura brasileira) morava em João Pessoa e se chamava Maria Valéria Rezende. Mas em João Pessoa? Por que não mora em São Paulo ou Rio de Janeiro? Por que a Paraíba? Sem conhecer sua obra, pesquisei sua vida na internet e vi que se tratava de uma biografia de ficção, difícil de acreditar...

Tramei esperá-la em frente ao seu prédio de luxo, na praia nobre do Cabo Branco, para, despretensiosamente, às seis da manhã ou cinco da tarde, encontrá-la por acaso nas caminhadas que fazem os intelectuais... E diria: "você não é a Maria Valéria Rezende? Gosto muito do seu trabalho, parabéns!". Quem sabe não ganharia cinco minutos de despretensiosa conversa, a fim de prefaciar meu futuro livro?

Como assim? Ela não mora na praia? Ela mora num bairro comum. Ela é freira e cuida de coisas domésticas num lugarzinho qualquer. Que falta de glamour...

Sem saber que eu planejava encontrá-la, uma nova professora, que se tornou uma nova amiga, falou sobre sua "prima" espontaneamente e, em poucos dias, estava eu nesse lugarzinho qualquer. Ainda nutri a esperança de que ela aparecesse com glamour, mas ela veio normal, e continuou normal... E conversamos.

E ouvi umas ficções, difíceis de acreditar: uma vida que tinha sentido, tinha ideais, tinha coragem, tinha vigor aos 70 anos (mais ou menos). Tinha beleza, tinha valor! E conheci outras valorosas normalidades, o André e a Regina. E conversamos sobre as nossas coisas, os contos, as crônicas, a poesia e a prosa... E tinha tanta beleza, e tinha tanto valor... E comemos um valoroso pastel normal, com recheio normal... A Regina não gosta de queijo coalho.

Aprendi que o valor do menino Jesus não são os reis, o ouro, o incenso e a mirra. O valor do Cristo é o Cristo. No meio dos cabritos, dos bezerros, no meio do mato, daquele cheiro de cocô...

E se eu perguntasse a Dona Maria qual o seu valor, ela responderia (ela seguramente responderia):
   - Ah, meu filho, o meu valor é o povo!
Os roceiros de Pilõezinhos, as putas de Guarabira, os índios da Amazônia...

Que me perdoem os Jabutis, mas o povo é fundamental.