Quilombo das Contendas

Há alguns anos eu soube que o Sítio Contendas, no qual a minha avó nasceu, localizado no município de São Bento, alto sertão da Paraíba, foi reconhecido pelo governo federal como uma área remanescente de quilombo.

Isso me encantou bastante, pela admiração que eu já tinha com a etnia e cultura negra; pela convicção histórica de que os negros foram aqueles que construíram o nosso país...; e saber que a minha avó havia nascido numa área quilombola, lugar de luta e resistência contra a injusta opressão branca, me enchia de orgulho.

Comecei a divulgar a história pra qualquer pessoa: familiares, amigos, colegas e até desconhecidos. Às vezes a reação era de admiração, às vezes de repulsa, desprezo... Para mim, constatar a minha ascendência negra me engrandecia muito mais do que saber das minhas origens brancas.

Dias depois, ainda sob a euforia da notícia, foi divulgada a Meia Maratona de João Pessoa e eu tive uma idéia meio maluca. Confirmei minha participação e, na véspera do evento, escrevi bem grande, atrás da minha camisa: “Quilombo das Contendas – São Bento – Paraíba”, como uma forma de homenagem. Pensei ainda em providenciar um chapéu de cangaceiro, para chamar mais atenção, mas os mais próximos não deixaram.

Bem, fazia uns anos que eu só corria de vez em quando para pegar ônibus e por isso eu sabia que preparo físico não existia. Então só me restou o preparo psicológico para encarar o desafio...

Não dei muito orgulho às Contendas, porque fui um dos últimos a terminar a prova; eu e um senhor de 78 anos, que vinha logo atrás de mim, seguido do carro da ambulância... Mesmo assim foi uma festa: meu pai tirou fotos, avistei a maratonista Pretinha, orgulho de nossa terra, e ao final comi um doce, brinde de todos os participantes.

Passei uma semana todo dolorido e com calo nos pés..., mas foi uma experiência interessante, que nunca mais quis repetir...

Um espírito diferente...

Era mais uma aula inaugural de mais uma disciplina do curso, na universidade. Eu, surpreso, começo a perceber algo estranho na sala... Um espírito diferente pairava sobre nós... Um novo discurso de um novo professor me atraía, me provocava, me incomodava, me encantava; mas eu não sabia o que era aquilo...

Ao final de uma aula, sempre a expectativa da próxima...

Percebi que esse espírito queria “baixar”, precisava “baixar” e se encarnar em alguém. Passou-se quase um período inteiro para eu perceber que espírito era esse. Em fim, baixou!

Era o espírito do direito, chamado justiça.

Fazia três anos que eu ouvia falar em direito todos os dias na universidade, mas sobre justiça era a primeira vez... Era estranho.

Me lembrei que o fim do direito é a justiça; que direito é só meio, e que a justiça é que é o fim. Então porque durante esse tempo todo só se ouviu falar em direito? Porque não se fala em justiça? Aliás, só se fala em justiça para dizer: “direito é uma coisa e justiça é outra”.

Ora, direito é uma coisa e justiça é outra, mas não estão tão dissociados assim – pelo menos em tese. Se queremos um direito mais justo, porque distanciar tanto os conceitos? Que formação é essa?

Pelos corredores da faculdade, se fala todos os dias em direito, mas em justiça não se ouve. E quem quiser falar em justiça certamente afastará os amigos... será um cara estranho, chato, careta... Vai entender...

Um espírito diferente tem que baixar, um espírito diferente...

Uma homenagem ao professor Zéu Palmeira Sobrinho.

EU TAMBÉM TENHO UM PAI

Tenho um pai que vive a vida no seu tempo.
Na infância, foi criança como pôde,
Nos tempos da imaturidade, foi imaturo,
Na juventude foi enérgico como um jovem autêntico e ideológico,
E hoje, na maturidade, mostra-se maduro, aprendendo com a vida.

Meu pai é um homem de poucos erros e muita bondade,
O mal que fez foi sem má fé, por engano ou fraqueza, talvez.
No entanto, na vida não há justa causa,
E por isso recebeu o peso de suas decisões precipitadas, ou infelizes, talvez...
Decisões próprias da vida...

Meu pai é um homem das letras, da razão,
E na maturidade, um homem de fé.
As reflexões sempre fizeram parte de sua vida,
Uma lúcida compreensão da realidade nos mostra,
E, também com o uso da razão, matutando alcançou o mistério,
O mistério da espiritualidade, da paz.

Hoje, vive feliz, na visão, na reflexão, no viver.
Na vida a dois procura amadurecer,
Não se cansa de aprender, não se cansa de aprender.

Por tudo isso és o meu maior professor,
Que me ensinou com a vida e me ensina com as palavras.
Nos erros, um bom exemplo a se afastar,
Nos acertos, muitos acertos, desafios a alcançar,
De solidariedade, desapego material, de luta por direitos.

És meu pai, és meu mestre,
Por isso te amo.

E este é o maior legado:
Aprender com a vida.

     “E se um dia a dor lhe abraçar,

      Seja forte,

      Seja luz,

      Nada mais.”

Ave de arribação, com certeza é o que sou,
Ave de arribação, com certeza é o que és.

Teoria da Prática Jurídica...

Dizem que a universidade é muito teórica e pouco prática. Que ela é mais voltada para a formação de pesquisadores e cientistas, do que para a preparação do profissional para o mercado de trabalho convencional.



Tenho uma história interessante a esse respeito:



No curso de Direito, a primeira disciplina prática ocorre apenas no 7º período, com o nome de Prática Jurídica I.



A ansiedade era real, pois pensava que finalmente, depois de mais de três anos de teoria em sala de aula, teríamos atividades externas, nos fóruns, assistindo a audiências, acompanhando processos, como se fôssemos advogados. É o que se imagina.



Foi uma surpresa. Aulas normais, dentro da sala de aula. Aulas sobre prática jurídica... A mesma coisa de sempre.



Penso comigo: porque então se chama Prática Jurídica? Seria melhor Teoria da Prática Jurídica, ou, para ficar mais bonito, Teoria Geral da Prática Jurídica; poderíamos até abreviar para TGPJ...



O que não poderia ser é Prática Jurídica, para não causar mal entendidos.



Bem... Ainda não foi dessa vez.

PRINCÍPIOS...

Pelos corredores da universidade, flagrei um colega de turma conversando com um professor sobre a importância do Direito Constitucional na formação jurídica dos alunos. Entendiam que a Constituição deveria ser estudada durante todo o tempo da graduação, pela sua relevância; não apenas durante 1 (um) ano e secundarizada nos outros 4 (quatro).

A Constituição é a espinha dorsal da ordem jurídica. Ela é fundamental porque é principiológica, e princípio é a coisa mais importante para o direito. Sem ele o direito se afasta da justiça, seu fim, e perde a razão de ser. Sem ele é medíocre, estritamente técnico e arbitrário; com ele é virtuoso, analítico e justo.

Um advogado me disse que um princípio derruba um código. Vale mais que lei, norma, artigo, inciso ou parágrafo.

Princípio é tão importante, tão forte, tão imponente, quase sagrado, que não deveríamos nos aproximar dele de qualquer jeito, às pressas, com banalidade. Não deve ser falado em 5 minutos e “pulado” para o próximo assunto. Quero dizer, princípio não deve ser meramente conhecido, mas “encarnado”. A final de contas, princípio é ideologia...

Deve ser assimilado, internalizado racionalmente, sem pressa, através de uma reflexão crítica, amplamente debatida. Podemos até rejeitá-lo ou admiti-lo com reservas, mas sempre o entendendo ideologicamente. Discutir princípios no direito é compreendê-lo ideológico e politicamente. Mas ninguém quer saber disso...

Portanto, princípio não é um assunto, é o assunto; o vetor mais importante, com força, direção e sentido.